6:46O “Monstro do Maracanã” e o “Pantera Negra” – VI parte

por Paulo Roberto Ferreira Motta

Exatamente às dezoito horas, os presidentes do Benfica e do Sporting
entraram na sala de audiências de Salazar. O ditador mandou-os sentar, um
em cada lado da mesa e tomou assento na cabeceira. “Senhores presidentes,
como disse vou ouvir as duas partes. Pelas informações que tenho, entendo
que o senhor presidente do Sporting deva falar antes e o senhor presidente do
Benfica depois. Não interrompam um ao outro, pois do contrário encerro a
audiência. Réplicas e tréplicas não serão admitidas. Aqui é o Palácio de São
Bento, onde as decisões mais importantes de Portugal são tomadas e não a
beira do Tejo, onde as lavadeiras e os rufiões se ofendem e se agridem
fisicamente. Mantenham a compostura que é esperada de dois cidadãos que
gozam do mais alto prestígio e consideração por parte deste que vos fala.
Cada um terá trinta minutos, vou contar no relógio, para exporem as suas
versões”. Uma hora depois, ouvidos os argumentos de ambos os lados,
Salazar respondeu: “Todos os pontos expostos pelas duas partes são
altamente relevantes. A questão é muito difícil. Amanhã vou passar o dia em
Setúbal fiscalizando obras. No domingo, logo após o Cardeal sair do Palácio,
depois da Santa Missa, vou refletir profundamente sobre a questão. Ordenei
que marcassem na agenda um horário para os senhores presidentes virem
ouvir a minha decisão final e irrevogável ainda no domingo, às onze horas da
manhã”. Os presidentes levantaram, fizeram as deferências de praxe e foram
embora.

“Senhor presidente do Sporting Clube de Portugal, senhor presidente do Sport
Lisboa e Benfica: Conforme prometi e nunca quebrei uma promessa na vida,
refleti profundamente sobre a questão posta. Não se assustem, mas todos os
assuntos que chegam ao Palácio de São Bento para que eu os resolva, são
sempre por dinheiro. Os senhores querem o ‘negro’, que segundo todos me
dizem, é um fenômeno com o esférico nos pés e na cabeça. Pensam em lotar o
estádio José Alvalade ou o da Luz e faturar milhões de escudos com os
bilhetes. É sempre o dinheiro. Pois bem, Portugal enriqueceu com os seus
navegadores que singraram os mares do mundo. Enriqueceu ainda mais com
os negros que buscou na África e com os que mandou ao Brasil. Contudo,
sempre pagamos pelos negros e negras que arrancamos da África. É sempre o
dinheiro. O ‘facto’ concreto é que o Benfica pagou à ‘negra’ que pariu o ‘negro’.
O ‘negro’ há de jogar no Benfica. Ainda hoje, vou ‘ordenar’ ao senhor
presidente da Federação Portuguesa de Futebol que registre o ‘africano’ como
jogador do Benfica. Tenho dito. A audiência está encerrada. Bom almoço aos
senhores presidentes”. Salazar levantou e saiu da sala.

O presidente do Benfica teve uma excelente refeição. Devorou uma
bacalhoada e derrubou uma garrafa do mais caro vinho Dão. O do Sporting,
sem apetite, foi para a casa e ordenou aos criados, todos negros, que não lhe
passassem nenhum telefonema e não deixassem ninguém, nem mesmo a
esposa, entrar no quarto.

No domingo seguinte, conforme previra Salazar, o Benfica vendeu milhões de
escudos em bilhetes e lotou o Estádio da Luz. Todos queriam saudar os
campeões da Europa e ver o moçambicano de quem a imprensa falava
maravilhas. Goleada do Benfica, com vários gols e assistências de Eusébio. Na
verdade, os africanos já faziam sucesso jogando futebol em Portugal. Até
então, o maior craque da seleção portuguesa era Matateu (Sebastião da
Fonseca Lucas), d`O Belenenses. No Benfica, brilhavam Mário Coluna e José
Águas. Matateu e Coluna, mulatos, eram nascidos em Moçambique, o branco
Águas em Angola. Mas Eusébio era o melhor de todos, disseram todos os
portugueses que o viram jogar. Na segunda-feira, as bancas de jornais de todo
Portugal amanheceram com a edição do esportivo “A Bola”. O editor tinha
escolhido uma foto de Eusébio sorridente depois de um gol e a capa era toda
tomada pelo seu rosto. Abaixo a legenda: “O Pantera Negra”. Doravante, e até
hoje, os adeptos do Benfica levam aos estádios enormes bandeiras vermelhas
com a figura de uma pantera negra.

Com a realização da primeira Copa Libertadores da América, vencida pelo
Peñarol, um empresário esperto resolveu instituir uma competição entre o
ganhador da Libertadores e da Copa de Campeões da Europa. A FIFA, que
não levava um tostão da empreitada, que deixava milhões nas mãos do
espertalhão e dos clubes, nunca reconheceu a competição como “mundial de
clubes”, reconhecendo apenas como campeões do mundo os clubes
vencedores do seu mundial, iniciado no Brasil em 2000 e retomado em 2005 no
Japão. Assim sendo, no Brasil, apenas são campeões mundiais com o selo
FIFA o Corinthians (2000 e 2012), São Paulo (2005) e o Internacional (2006).
Ocorre, entretanto, que o primeiro mundial “Mandrake” foi realizado em 1960
entre o Real Madrid e o Peñarol. No primeiro jogo (Estádio Centenário), empate
em zero a zero. No segundo (Estádio Santiago Bernabéu), vitória arrasadora
do Real Madrid. No ano seguinte, disputaram o torneio, denominado pelo
empresário espertalhão de Copa Intercontinental (já que a FIFA havia proibido
a utilização de denominação de Campeonato Mundial), o Peñarol (que havia
bisado a Libertadores) e o Benfica, o segundo campeão europeu, depois de
cinco conquistas consecutivas do Real Madrid.

No primeiro jogo, em Lisboa, desfalcado de Eusébio, machucado, vitória do
Benfica por 1×0, com gol do também moçambicano Coluna. No jogo de volta,
ainda sem Eusébio, e com uma atuação irreconhecível, o Benfica foi goleado
por 5×0 no Estádio Centenário. As noitadas no Rio de Janeiro, onde o Benfica
havia feito escala, antes de chegar ao Uruguai, cobraram o seu preço. Como o
regulamento não previa desempate por saldo de gols, um terceiro jogo foi
marcado e disputado no mesmo Centenário. O Peñarol de Maidana (que

depois jogaria no Palmeiras), com Martínez e Cano; González, Gonçalves e
Aguirre; Cubilla, Ledesma, Sasía, Spencer e Joya, treinado por Roberto
Scarone, venceu, por 2×1; o Benfica de Costa Pereira, com Ângelo, Humberto;
Neto, Cruz e Simões; José Augusto, Eusébio, Águas, Coluna e Cavém, tendo
como técnico Béla Guttmann. Sasía abriu o placar, Eusébio empatou e Sasía
fez seu segundo gol na partida.

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