por Voltaire de Souza

Em tempos radicais, nem uma pizza meio a meio traz calma à família brasileira

Dúvida. Dilema. Hesitação.
Às vésperas do segundo turno, Aldir continuava indeciso.
—Lula? Bolsonaro? Como saber?
O melhor era assistir ao debate.
—Mas quero todo mundo quieto aqui em casa.
A família estava dividida.
—Aldir. Não entendo como você continua em dúvida.
—Ué. Não posso?
O pai dele falou grosso.
—Entre ladroeira e honestidade, não tem como balançar.
A irmã se chamava Regina e tinha outra opinião.
—É democracia ou golpe militar.
Aldir coçava a cabeça.
—Me preocupo com a economia…
O pai fez cara feia.
—A economia vai bem. O resto é papo furado.
Regina levantou a voz.
—O povo nunca passou tanta fome. Culpa do Bolsonaro.
—Culpa da vagabundagem. Criação desses comunas.
Aldir pedia silêncio.
—Nem consigo ouvir os candidatos.
—O Lula está arrasando.
—Não está, não.
Aldir se levantou do sofá de curvim.
—Quer saber? Vou ver esse debate em outro lugar.
A Pizzaria Vulcão Vesúvio tinha televisor nos quatro cantos do salão.
Aldir fez o pedido adequado para o momento.
—Meia calabresa, meia muçarela.
Os tons amarelos e vermelhos da redonda se confundiram nos olhos de Aldir.
—Não sei… uma tontura…
Mais algumas garfadas.
Veio o acesso de vômito.
No hospital, o pai e a irmã continuam discutindo.
—É Covid. Com certeza.
—Foi a pizza, é óbvio.
—Calabresa é fogo…
—O queijo. O queijo.
Aldir reconsiderava suas decisões.
—Devia ter pedido uma pizza de atum com azeitona.
Ele fechou os olhos. As visões infecciosas da febre tomaram conta da sua mente.
—Quer azeitona? Olha aqui.
—Bolsonaro? Com um revólver?
—Vai de picanha, Aldir. E não se fala mais nisso.
—Lula? Churrasco? Ou são as brasas do inferno?
O médico se chamava doutor Marco Aurélio.
—Ele pode melhorar. Mas pode piorar também.
A vida, por vezes, é simples como uma pizza
Na hora do meio a meio, não existe espaço para a terceira via.

*Publicado na Folha de S.Paulo