por Carlos Castelo
Minha relação com o álcool não está apenas no fato de eu ter um veículo Flex. Ela vem de longe e se baseou num tripé: confeitos, copos e remédios. Explico. Meus primeiros tragos foram dos famosos bombons recheados com licor. Creio que boa parte dos alcoólicos, a começar de Keith Richards, se iniciaram provando tais delícias
Recordo, ainda pequeno, de meter um, cheinho de conhaque na boca, e passar o resto do dia legalzão. Como o resultado foi prazenteiro voltei a repetir a dose na Páscoa e pedir que comprassem aqueles docinhos sempre que ia bem na escola. Em menos de um mês estava sendo inconveniente em casa e, para desespero da irmã caçula, surrando suas bonecas.
A segunda perna do tripé foram os copos vazios de vinho, cerveja e whisky deixados pelas visitas na mesinha de centro da sala. Enquanto meus pais levavam os convidados até a porta, eu levava o conteúdo dos copos ao estômago. Nessas noites, dormia como um anjinho.
A terceira porta foi o biotônico. Como eu era muito magro, a avó preparava, toda manhã, gemada misturada a um cálice da beberagem. Somado aos chocolates, e ao rescaldo dos jantares, logo eu estava mais calibrado do que pneu de treminhão.
Por algum tipo de milagre, não me tornei um alcoolista-mirim. Outros interesses apareceram (bicicletas, bailinhos, viagens, garotas) e não coloquei mais a bebida entre minhas preferências. Até que meu pai comprasse um sítio. Com o seguinte detalhe: a propriedade ficava numa região vinífera, com nove mil parreiras e adega para o fabrico de vinhos.
Na época, eu estava com 15 anos. Participei da primeira poda dos cachos e da pisa nos bagos. Em tempo: pisa nos bagos não é que o leitor pensou. Era simplesmente entrar num dos enormes compartimentos – muito bem calafetados – e ficar ali pulando até que tudo ficasse liquefeito. Meus primos e eu saíamos rubros dos barris.
No ano seguinte, além da pisa nos bagos, resolvi pisar mais fundo: os primos e eu pegamos três garrafas da safra passada e tomamos escondido. 750 mililitros daquela uva Isabel fermentada foram suficientes para me deixar viajando. Dizem testemunhas que começou a chover e eu, fora de mim, dei para praguejar com os pingos.
O pifão não terminaria ali. Garrafa esvaziada, decidi que era hora de me recolher. Foi entrar no aposento, às escuras, e sobreveio a sensação de tudo estar girando. Procurei respirar fundo, não pensar em nada. Porém, eu estava aprendendo, de forma prática, que, em tais ocasiões, não é você quem se navega, quem o navega são os 14,5 graus do vinho.
Pulei do beliche, abri a porta do banheiro, e dali mesmo lancei meus pecados todos para dentro do reservado. Voltei engatinhando ao leito, de onde não me mexi até ouvir, cedinho, a voz de minha mãe no interior do cômodo.
– O que foi isso? Vomitou dentro do armário? Enlouqueceu?
Não havia banheiro no quarto do sítio. Na agonia da carraspana, achei que estava no quarto do nosso apartamento. O castigo veio na sequência: lavar as roupas, secá-las e passá-las. Foi uma boa maneira de virar um bebedor apenas social.
*Publicado no Estadão