15:01‘Cavalo Preto’ trouxe poesia autêntica para ‘Pantanal’, mas há modas melhores

por José Hamilton Ribeiro, na FSP

“Eu tenho um cavalo preto/ Por nome de Ventania/ Um laço de 12 braças/ Do couro de uma novilha./ Tenho um cachorro bragado/ Que é pra minha companhia/ Sou um caboclo folgado/ Ai, eu não tenho família.”

As duas primeiras estrofes do hit caipira do momento, a música “Cavalo Preto”, já mostram as qualidades do autor, Anacleto Rosas Junior, morto em 1978, paulista de Mogi das Cruzes que viveu em Taubaté, no interior do estado, e São Paulo. É um autor que fala do que conhece, não inventa, não fantasia, “não viaja”.

É música bem-feita, apropriada, não tem bobagem na letra, o pessoal do campo não estranha quando ouve. Rosas Junior era bom poeta, construía boas rimas, com imagens interessantes e realistas. Falava de coisas que tinha observado de verdade, como o manejo do campo ou a vida desse peão da música, que tem o cavalo preto chamado Ventania e deixa um rastro de saudade por onde passa.

Sem romantizar a vida rural, o que Rosas Junior diz em suas letras é autêntico, nada existe de falso nas suas canções. Ele tem uma outra música muito bonita chamada “Baldrana Macia”, que eu acho melhor até que “Cavalo Preto”, por ser mais original. Mas a hora é do “Cavalo Preto”, e essa música tem mensagem, tem poesia, tem elevação.

Rosas Junior é desses autores que falam do que conhecem, não estão para falsidades ou fantasias pueris. Sua popularidade e reconhecimento do povo do interior vem desse fato de que o compositor é um deles, afinado com as estrelas na poesia, mas com os pés vermelhos da poeira do estradão. Não veio para enganar ninguém.

Seu “Cavalo Preto” ficou dezenas de anos no esquecimento, tem agora o reconhecimento que merece. Bom para todos nós.

Agora é a hora do “Cavalo Preto”. A da “Baldrana Macia” pode ser amanhã.

 

Baldrana é uma peça do arreamento do cavalo, um tipo de cobertura de couro ou camurça bem curtidos, macio, para ser botado em cima da sela. A sela, ou arreio, é geralmente de couro cru, uma peça mais grosseira, mais dura, enquanto que a baldrana e o cochonilho servem para deixar o assento mais macio, para a anatomia do peão não sofrer depois de um dia inteiro no lombo do cavalo.

Quem montava no cavalo preto, certamente estava com o corpo em cima de uma baldrana e assim podia caminhar bastante.

“Baldrana Macia”, a música, tem uma gravação linda de Sérgio Reis, que também fez a melhor versão de “Cavalo Preto”. Em ambas, Reis uniu a qualidade da canção à sua voz excepcional, além da propriedade da interpretação.

Sérgio Reis é um cantor de primeira linha, autêntico no meio rural, moderno e com um maior conhecimento de música do que a maioria dos que gravaram antes essas modas, como as duplas Tonico e Tinoco, Cezar e Paulinho, Raul Torres et cetera.

Essas rodas de viola que aparecem na novela acontecem de verdade no final de um dia de lida nessas fazendas grandes que tem vários peões, mas dependem de ter um peão que seja bom violeiro, e outro ainda para fazer par com ele. E é raro ter peão bom de lida e bom de viola, mas quando tem um cara assim é uma festa. E a turma toda aproveita.

Em geral, durante o dia, cada peão vai para um lado, fazer o seu serviço, a não ser que a tarefa seja tocar uma boiada muito grande, dessas com centenas de reses, às vezes mais de mil. Aí precisa juntar uns quatro ou cinco peões , um na frente —o ponteiro— com o berrante, para chamar os bois, e um ou dois atrás, os peões de culatra, para não deixar nenhum boi fugir. Há ainda um homem —ou mais de um— para sustar as fugas pelas laterais, ao longo da jornada.

Não conheço pessoalmente Guito, o peão violeiro da novela, nem ainda o Gabriel Sater, que interpreta o peão que vendeu a alma para o Diabo, mas conheço bem o pai dele, Almir Sater. O compositor e cantor Renato Teixeira, autor de “Romaria”, afirma que Almir Sater foi o responsável por destrinchar a viola caipira, a tirar dela sons que o mundo não tinha ouvido antes.

A viola era um instrumento que muita gente conhecia e tocava do seu jeito, com resultados que satisfaziam seus executores e tinha seus autênticos admiradores, mas quando houve o encontro dela com Almir Sater parece que o potencial do instrumento chegou a um ponto mais elevado.

Quando pegou a viola, ele ampliou suas possibilidades, explorou melhor o instrumento e deu um novo caminho para a música caipira. Ele viu o potencial que a viola tinha e nunca mais parou de praticar com ela e de estudar o instrumento.

Mas, se fosse para eu escolher uma moda para tocar toda hora na novela, teria optado por outra. Eu iria com “Ferreirinha”, uma composição do Carreirinho, morto em 2009, autor também de “Boi Soberano”, que conta a história de um peão que vai lidar com um boi bravo e o boi acaba por matar o peão. Quem conta a história é o colega dele, que estava junto com o amigo quando ele enfrenta o boi furioso.

Carreirinho é um compositor muito importante, muito poético, e que tinha raízes mais rurais que Anacleto Rosas Junior, mais autênticas. Teria sido uma opção mais interessante. Mas “Cavalo Preto” tem também muita força. Vamos então de “Cavalo Preto”!

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