por Voltaire de Souza
O fantasma da desconfiança e da dúvida tende a abalar o eleitor bolsonarista
Ansiedade. Expectativa. Emoção.
É o segundo turno.
O sr. Edmar estava confiante.
—Vai dar Bolsonaro. De lavada.
A mulher dele se chamava Cidinha.
—Não sei não… você acha?
Os primeiros sinais de tensão chegavam àquele pequeno sobrado na Vila Matilde.
—Não começa, Cidinha. Não começa.
—Puxa, Edmar… estou só falando que…
—Pensa que eu não sei?
—Não sabe o quê?
—Que você votou na Simone Tebet?
Cidinha se ofendeu.
—Nunca, Edmar. Nunca. Eu, hein
Ela engoliu um soluço.
—Sou mais bolsonarista que você.
—Ah, é? Então prova.
Cidinha respirou fundo.
—Olha no meu faceboo
De fato.
Manifestações de apoio ao ex-capitão existiam desde 2004
A evidência não modificou o humor do maridão
—Por que você nunca me contou?
—Ah, Edmar. Era coisa minha.
—Coisa minha? Como assim?
Dúvida. Desconfiança. Ciúme
—Vai me dizer que você estava gamada nele.
—”Gamada”? Que palavra mais ridícula, Edmar.
O peso da idade se fazia sentir no uso da gíria. Lembranças da Jovem Guarda.
—A fim. Afinzaça. Ligadona. Entendeu agora?
A tristeza começou a impregnar o coração daquela dona de casa.
—Quer saber? Homem por homem…
—Hã. Fala.
—Sou mais o Ciro.
—Aí você já está me ofendendo. Ofendendo, viu, Cidinha?
Edmar saiu da sala batendo a porta.
Depois de um tempo, Cidinha foi procurar o marido na suíte
—Edmar? Você está aí?
O marido apareceu com o 38 na mão.
—Repete. Repete o que disse.
Cidinha ficou em silêncio.
A visão do marido e do revólver pareceu diluir-se num dilúvio de lágrimas.
O tiro foi para o alto. Danificando definitivamente a luminária cilíndrica tipo plafon.Na escuridão, o casal tenta se reconciliar.
—Tira as balas do revólver, Edmar.
—Me recuso. Você que me aceite como eu sou.
O Brasil é uma grande família em busca de diálogo.
Mas quem segura o 38 gosta de ter a última palavra.
*Publicado na Folha de S.Paulo