8:35Eu acho que vi um gatinho…

por Thea Tavares

O gatinho, muitas vezes, arisco e ressabiado, está sempre na expectativa de que algum infortúnio à espreita ocorra.
Parece sempre ignorar e temer o que foge ao seu controle.
Distrai-se, outras vezes, em espontaneidades, que revelam suas intenções e anseios mais reprimidos e dissimulados
É quando dá asas à sua livre expressão e instintos.
É quando se entrega aos cuidados de quem respeita suas vulnerabilidades.É quando se projeta tão humano quanto aqueles frágeis seres que a natureza colocou no seu caminho em vantagem hierárquica.
Na verdade, tanto quanto são maiores em tamanho, mais perdidos se desencontram entre as engrenagens de seus eixos
O gatinho observa tudo com atenção e astúcia e se alterna entre exibir sua pose, desprendimento e altivez felinos e buscar aconchego humilde no colo, pés e ninhos cativos daquela que aprisiona sua alma na mais terna devoção.
A visão do gatinho é sempre cercada de enigmas e é de leitura estimulante.
Faz se embrenhar em densas florestas ou bronzear a pele ao Sol da beira-mar
Desperta uma curiosidade afável por aquele misto de indiferença e de total, relaxada entrega a dengos.
Coloca o observador numa espécie de gangorra emocional, que alterna picos de apegos e de leves incondicionalidades.
O gatinho assombra nossos confortos e acomodações.
Bagunça as engessadas ordenações a que nos impusemos ao mesmo tempo erguer e se adaptar.
Finge desconhecer e estranhar os chamados, quando, bem lá no fundo, é ele quem demanda atenções, cuidados e carinhos.
O gatinho passeia, sobressalta-se, ataca, se esconde e se exibe.
Demora-se em corresponder.
Sente saudades, sim (ah, como sente!), mas tem trauma de abandonos e reage com vigor aos afastamentos de toda natureza.
Contenta-se em respirar a presença.
E retribui cada momento compartilhado, ronronando preces de cura, bem-querer e de gratidão.
Eu acho que vi um gatinho… Não, vi mesmo um gatinho!
Que me revisita em sonhos e que me espreita quando se julga furtivo.
Mas que deixa rastros de sua presença nas marcas das patas impressas pelo caminho. Nos dias de chuva, nas noites sem vento.
O gatinho nos habita nos dilemas, indecisões e desejos instintivos dessa vida.
E nos persegue, instigando a rever acomodações e desalinhos.
Ele nos protege. O gatinho nos traz de volta ao lar. Não a um espaço físico qualquer, simples ou suntuoso, mas àquele canto quente, pulsante, vivo e norteador da nossa essência.
Eu vi um gatinho e ele era inteirinho azul.
Vi dentro do espelho e ainda mais nítido no fundo do seu olhar.

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