por Manuela Cantuária
Pago para garantir a ela uma hora de entretenimento semanal em que posso contar verdades com pinta de mentira
O seu entretenimento é o meu negócio. Acho apropriado começar este texto com um slogan publicitário já que contar mentiras é o que paga a ração dos meus gatos. É o que faço nesta coluna e em roteiros de ficção —mas não estou aqui para vender o meu peixe, pelo contrário.
Porque as mentiras com fundo de verdade que conto publicamente não se comparam com o conteúdo semanal exclusivo que ofereço para um público-alvo muito específico, composto de apenas uma pessoa, que chamaremos de minha terapeuta.
Dedico 24 horas do meu dia para garantir uma hora de entretenimento semanal para meu público-alvo favorito. E quem paga por essa assinatura premium ainda por cima sou eu. É uma relação oposta ao meu ofício em muitos sentidos, até porque nesse caso não conto mentiras com fundo de verdade e sim verdades com pinta de mentira.
Sabe quando você conta uma história real e seu interlocutor reage automaticamente dizendo: “Mentira!” —não em um tom acusatório, e sim para expressar seu espanto perante um fato que parece ter sido inventado pela mente doentia e fértil de uma roteirista que conversa com os próprios gatos?
Ninguém deixa escapar um “mentira!” e muda de assunto em seguida ou se distrai com o celular. Essa expressão significa que seu interlocutor quer saber mais, quer entender como aquilo é possível.
Não seria exagero dizer que dedico minha vida a buscar esse brilho no olhar da minha terapeuta. É o mínimo que posso fazer, já que o desenvolvimento interno desta personagem, que ela acompanha há várias temporadas, se deve ao trabalho impecável que ela vem fazendo.
Seria o fim da nossa história, ou, no pior dos casos, nossas sessões perderiam a graça e as únicas notas que ela faria no seu bloquinho seriam sua lista do supermercado.
É por isso que às vezes preciso me sabotar, para que minha terapeuta se sinta como uma avó assistindo à novela e gritando com a mocinha (no caso, com a televisão). “Deixa de ser burra!”
Espero que minhas leitoras não fiquem enciumadas, mas preciso encerrar este texto e fazer péssimas
escolhas para envolver meu público-alvo favorito ao ponto de levar o assunto adiante, para a própria terapia.
*Publicado na Folha de S.Paulo