18:53A vontade do falecido

por Stanislaw Ponte Preta

Seu Irineu Boaventura não era tão bem-aventurado assim. Tinha lá um dinheirinho que guardava embaixo do colchão. Não gostava de bancos, nem comprava um terreno, porque seu sobrinho Altamirando se instalaria nele sem a menor cerimônia. Assim, a erva dele era verdinha.
Só que andava com aquele jeito cadavérico que a vizinhança achou que já ia morrer. Até o apelidaram de “Pé-na-Cova”.
A família na ânsia de herdar o dinheiro dele. Mas ninguém comentava. Só Altamirando, mais mau-caráter que o resto da família, depois de uma tosse do tio, lhe perguntou:
– Titio, quando o senhor se for, pra quem vai ficar seu dinheiro?
O velho mudou de cor, de raiva, e respondeu:
– Na hora você vai saber, seu cretino!
Só que, dia depois, ele morreu.
– Bota titio na sala de visita – aconselhou Altamirando. – Botaram ele na sala.
Chegaram parentes de longe, todos interessados no dinheiro do morto.
Antes do enterro, contaram o dinheiro, 60 milhões de cruzeiros intactos.
– O velho tinha menos dinheiro do que eu pensava – disse bem alto o sobrinho. E acrescentou: – Vai ver que gastou com mulher.
Se gastou ou não, ninguém soube. O que soube é de uma carta que o falecido deixou, registrada em cartório e tudo. Nela ele dizia que quando morresse o dinheiro seria enterrado com ele. Não deixaria o que ganhou com o suor do rosto a parente vagabundo nenhum.
A parentada chorou. Mas ninguém ousou desfazer a vontade do falecido. Na hora de colocar o dinheiro no caixão, então, a choradeira aumentou.
Só que, antes de fechar o caixão, Altamirando gritou:
– Pera aí!
Tirou os 60 milhões de dentro. Fez um cheque do mesmo valor e o colocou no caixão.
– Se titio precisar mais tarde do dinheiro, desconta no banco – disse Altamirando.

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