por Carlos Castelo
Jair estava irreconhecível. Nada de mau humor, palavrões ou grosserias. Entrou em casa, viu as duas filhas brincando na sala, e foi dizendo:
– Vamos ali fora, o papai quer mostrar uma coisa pra vocês!
As filhinhas não puderam crer. Na garagem estavam duas bicicletas infantis elétricas, tinindo de novas.
– Pra minhas princesas se divertirem no parque. Aliás, querem ir agora, o papai leva.
Dona Isaltina, a diarista, veio de mangueira na mão querendo aguar os vasos de azaleias. Ficou olhando a cena com jeito arisco. Jair se dirigiu a ela, com a mesma afetividade:
– E não precisa ficar olhando os presentes com o olho comprido, Tininha, querida. Você também merece ser muito bem tratada.
O espanto da idosa só crescia.
– É isso aí. Depois você confere no aplicativo do banco no seu celular. Depositei, além do seu 13º adiantado, mais 14º e 15º – anunciou Jair.
Isaltina tentou balbuciar alguma coisa, mas o patrão já voltara para dentro de casa. Na sala, encontrou a sogra.
– Dona Marlene, abriu a gaveta do seu criado-mudo hoje? – perguntou, mantendo a atitude carinhosa
A sogra não compreendeu bem a pergunta. Respondeu apenas que não vira nada no quarto. Jair pediu que ela, por favor, fosse dar uma verificada. Segundos depois, ecoou o brado pelas paredes do sobrado.
– Genrinho, mas o quê é isso? Uma pedra de jade num trancelim! É de verdade mesmo?!
– Não só é original, como mandei trazer da China.
Marlene teve que se abanar e tomar água com açúcar para atenuar a pressão arterial.
– Você me mata, Jair! – declarou beijando a joia.
Foi quando a esposa saiu do banho.
– O que houve aqui? Eu só escuto gente aos urros: as meninas, dona Isaltina, agora a mãe.
– Não foi nada, tesouro. Estou apenas demostrando às pessoas que vivem comigo o quanto elas são importantes. E só faltava manifestar isso ao meu grande amor.
Dizendo tais palavras, tirou do bolso um envelope e entregou à mulher. Ela o rasgou e leu o conteúdo, de si para si:
– Duas passagens, de primeira classe, para Miami, hospedagem em hotel seis estrelas…
Jair complementou, a boca rasgada por um imenso sorriso:
– Nossa segunda lua de mel, Elvira, merecemos isso.
A esposa colocou o envelope em cima da mesinha de centro e avisou:
– Deixa eu preparar meu almoço que eu ganho mais.
Aflito, Jair foi atrás. Na cozinha, se mostrou magoado.
– Mas, meu bem, não gostou do mimo? Poxa, te dei com tanto amor…
– Como se eu não te conhecesse, Jair – afirmou Elvira.
Fazendo cara de desentendido, ele indagou:
– Como assim, flor?
Ela colocou as mãos na cintura e desembuchou:
– Como assim que o senhor, quando percebe que quero me separar, já vai abrindo a burra, despejando o saco de bondades em casa pra não largar o osso! Depois vêm as consequências…
– Que consequências, Maria Elvira? Me fala? – disse Jair, já mudando para um tom mais agressivo.
Elvira falou:
– Os agiotas.
Almoçaram calados. Semanas depois, Jair foi substituído.
*Publicado no Brasil 247