por Guilherme de Barros Perini, Letícia Soraya Prestes Gonçalves de Paula, Noeli Kühl Svoboda Bretanha, Katiuscya Ayecha Heise Ferreira Binde, Natália Amaral de Oliveira*
O fenômeno das drogas tem sido tema de acalorada discussão na sociedade, por sua complexidade e transversalidade, mobilizando o interesse público, pesquisas científicas e a inquietação socioassistencial sobre como abordar o consumo das substâncias psicoativas e seus reflexos para o indivíduo e a coletividade.
A construção de políticas públicas sobre drogas, legitimada pela ampla participação e pelo controle sociais, deve avançar, pois no cenário contemporâneo o consumo de drogas ultrapassa as questões individuais do usuário, demandando respostas epidemiológicas no âmbito da saúde pública, cuja repercussão alcança as áreas de educação, assistência social e segurança e os sistemas de justiça e assistência social.
No atual contexto comunitário, as consequências negativas do consumo das drogas, com proporções epidêmicas que suscitam engajamento articulado das políticas públicas para o seu enfrentamento, repercutem, em especial: nas graves questões relacionadas à evasão escolar; em comorbidades de saúde, incluindo aquelas do espectro mental e as mortes decorrentes do uso nocivo, disfuncional, arriscado ou não autorizado de drogas; no superencarceramento decorrente da alta incidência de crimes relacionados ao tráfico; no aumento das espécies e do potencial psicoativo das drogas que chegam nos mercados de drogas ilícitas e no crescimento do número de moradores em situação de rua e a influência dessa circunstância na formação de “cracolândias” nos cenários urbanos.
Fundamental se faz, portanto, elaborar democraticamente uma política pública que contemple as necessidades e expectativas tanto dos usuários quanto das pessoas que estejam envolvidas na dinâmica da drogadição, incluindo a comunidade ao seu redor. Enquanto a atenção ao usuário for desarticulada, focando ora na saúde, ora na justiça, continuará acarretando uma visão limitada e desconectada do ser humano, da comunidade e das próprias instituições, como é o caso do sistema de Justiça, da polícia e/ou dos manicômios.
Diante desse contexto sociocultural e dando início às ações da campanha “Junho Paraná Sem Drogas” – dedicada à promoção da conscientização da população sobre as ações de prevenção e os programas de tratamento voltados aos usuários de drogas, conforme preconiza a Lei Estadual 19.121/2017 –, foi realizada, de maneira inédita no Estado do Paraná, nos dias 1º e 2 de junho de 2022, a Conferência Estadual de Políticas Públicas Sobre Drogas, evento organizado pela Secretaria da Segurança Pública do Estado, por meio do Núcleo Estadual de Políticas Públicas Sobre Drogas (NEPSD) em ação conjunta com o Conselho Estadual de Políticas Públicas Sobre Drogas (Conesd), contando com a participação de representantes de 161 municípios, com cerca de mil participantes, dos quais 661 inscritos com poder de voto.
Nesse espaço democrático que também reuniu os 20 Conselheiros do Conesd, além de 27 representantes de entidades da sociedade civil, foi debatida e articulada a participação dos atores envolvidos na consecução da política de Estado sobre drogas, atuando, enquanto sociedade civil organizada, de modo colaborativo e intersetorial com o Poder Executivo.
Dentre as atividades realizadas no evento, relacionadas aos eixos temáticos propostos no seu Regimento Interno (I – Prevenção; II – Reabilitação Psicossocial/Reinserção Social/Redução de danos sociais e à saúde; III – Tratamento e acolhimento; IV Redução da oferta e V – Estudos, pesquisas), os objetivos propostos para cada eixo na minuta do Plano Estadual de Políticas Públicas sobre Drogas foram debatidos e aprovados nas plenárias temáticas, bem como submetidos à validação na plenária final.
Assim, o “Plano Estadual de Políticas Públicas Sobre Drogas” foi consolidado com metas objetivas a serem cumpridas pelo Governo Estadual e pela comunidade. Composto por objetivos, ações, indicadores, parceiros e prazos, o documento tem como objetivo geral criar um novo paradigma para as políticas públicas estaduais sobre drogas, a partir de uma perspectiva preventiva ampla, abrangendo o coletivo, e, simultaneamente, específica, para atender aos grupos vulnerados, adotando como premissa a consolidação dos direitos do cidadão.
A complexidade do fenômeno das drogas foi amplamente abordada entre os participantes de quase todas as comarcas paranaenses, de modo a consolidar e legitimar o Plano Estadual de Políticas Públicas Sobre Drogas, considerando sua transversalidade, intersetorialidade e interdisciplinaridade, que segue tramitação para posterior aprovação governamental.
O trabalho conjunto do Governo Estadual com os municípios é fundamental para a viabilização das políticas públicas sobre drogas, ocasião em que conselheiros municipais são ouvidos, sendo a sociedade civil favorecida. O Plano construído coletivamente tem mais eficácia. Não se trata de letra morta ou documento com papéis impostos, de que ninguém tomou conhecimento ou sequer leu. O processo de participação democrática possibilita que todos assumam sua responsabilidade pelo fazer e acontecer das propostas apresentadas e votadas.
Nesse espaço democrático, tão precioso para o Ministério Público paranaense, a atuação interinstitucional se articula em prol da compreensão e superação do fenômeno da drogadição em sua complexidade, territorialidade e intersetorialidade. No âmbito ministerial, o Projeto Semear tem coordenado as ações e desenvolvido parcerias para aproximar os atores que precisam ser acionados e articulados pelo Poder Público. A aproximação da sociedade civil com os órgãos governamentais que abordam a temática das drogas é imprescindível ante a necessidade de se consolidar uma política pública eficaz e com efetividade democrática.
Durante a Conferência, foram debatidas e validadas pelos conselheiros estaduais e municipais propostas de políticas públicas sobre drogas que impactam as áreas da prevenção, redução de danos, reinserção social, pesquisas e tratamentos clínicos, consolidando um avanço para a implementação de políticas públicas relacionadas ao tema pelo Poder Público no território paranaense.
No primeiro dia da Conferência, foi apresentado o painel: “A Política Estadual Sobre Drogas na Contemporaneidade: Desafios e Perspectivas”, cuja temática abrangeu a história da política sobre drogas no estado, a importância da educação na prevenção e a política atual em nível nacional. Na oportunidade, também foi realizada uma roda de conversa com as professoras Dras. Araci Asinelli da Luz e Alessandra Diehl.
As vivências compartilhadas no painel foram motivadoras e esclarecedoras, ao socializarem as informações, inspirando a participação e o debate democrático em subgrupos, de acordo com os eixos temáticos propostos – as conclusões aprovadas foram minutadas pelos secretários de cada eixo e encaminhadas para votação na plenária final, realizada no segundo dia do evento.
A Coordenação do Projeto Estratégico Semear ficou responsável, nesse aspecto, por coordenar e secretariar os trabalhos do Eixo Temático Tratamento e Acolhimento, tendo sido encaminhados e aprovados como objetivos a serem inseridos no Plano Estadual de Políticas sobre Drogas: i) a ampliação da política de atendimento destinada à população em situação de rua; ii) o fortalecimento e a ampliação, com aporte de recursos financeiros, dos equipamentos da Rede de Assistência Psicossocial que visam ao tratamento de usuários de álcool e outras substâncias, de forma a garantir diversos pontos de atenção em todas as regionais de saúde, bem como garantir sua fiscalização, e iii) o apoio técnico e financeiro aos trabalhos realizados pelas ONGs, Oscips, entidades religiosas, comunidades terapêuticas e grupos de mútua ajuda, bem como sua fiscalização.
O evento também foi palco da premiação dos alunos da rede pública de ensino vencedores do Concurso Estadual de Produção de Material Audiovisual Sobre Drogas. O concurso atende à Lei Estadual 19.068, de 5 de Julho de 2017, que impõe às empresas de cinema a divulgação de informes publicitários de esclarecimentos sobre os malefícios do consumo de drogas ilícitas para toda a sociedade.
Em histórica assembleia democrática, reconheceu-se publicamente a necessidade de colaboração intergovernamental, ampliação e potencialização de serviços já existentes, assim como a criação de outros serviços ainda não disponibilizados para a população em algumas regiões do Estado do Paraná. A realização da I Conferência Estadual a tratar da temática das drogas traduz-se em significativo ato de prevenção social, enquanto congraçamento democrático que estrategicamente articula as necessidades dos usuários e os anseios da sociedade civil, mediante planejamento do Poder Público na busca por soluções mobilizadoras de bem-estar e paz social.
A iniciativa paranaense pode e precisa ser levantada como bandeira pública de fomento a espaços de participação e prevenção social pelo Brasil, mobilizando a realização de conferências municipais e/ou regionais para consolidar a construção de políticas públicas territoriais sobre drogas, em articulação com as diretrizes estabelecidas pela Política Nacional Sobre Drogas (Planad), recentemente aprovada.
* Equipe do Projeto Semear – ação estratégica para o enfrentamento ao álcool, crack e outras drogas, do Ministério Público do Paraná: promotor de Justiça Guilherme de Barros Perini, assessora jurídica Letícia Soraya Prestes Gonçalves de Paula, psicóloga Noeli Kühl Svoboda Bretanha, estagiária de pós-graduação em Direito Katiuscya Ayecha Heise Ferreira Binde, estagiária de graduação em Direito Natália Amaral de Oliveira.