por Luiza Pastor, na FSP
Apesar da façanha, ele não gosta de ser definido como “o mais velho” do país a vencer a montanha
O que fazer quando, aos 50 anos, se está imerso na rotina sedentária de um escritório de comércio exterior? Para o engenheiro curitibano Joel Kriger, a resposta foi: dar um passeio até o topo do mundo, ele mesmo, o monte Everest, meca de nove entre dez montanhistas, mas façanha para poucos. Joel Kriger é um desses poucos. Mas ele só chegou lá no dia 17 de maio passado, aos 68 anos. E apesar de ser divulgado como “o brasileiro mais velho a conquistar o Everest”, ele não gosta nem um pouco dessa definição.
“Detesto essa coisa de ‘mais velho'”, ressalta Kriger. “Eu estou em forma, treino muito, gosto mais de ser citado como exemplo para pessoas da minha idade que se acomodaram, não cuidam da saúde como deveriam, e deixam de fazer coisas por se considerarem velhos“.
A história de Kriger no pico mais alto do planeta começou a ser desenhada em 2003, quando leu o livro “Meu Everest”, de Luciano Pires, que narra sua jornada de publicitário um dia fora de forma de Katmandu até o acampamento-base do Everest, a 6 mil metros de altitude. “O livro tem alguns exageros, mas é extremamente motivacional”, descreve o engenheiro. “E eu só sabia nadar, mas na época levava uma vida totalmente sedentária quando um amigo me chamou para compartilhar essa viagem”, lembra ele.
No começo, Kriger conta que seu preparo para a jornada foi só à base da natação. Apesar de ser considerado um esporte completo, ficava a dúvida: “Será que eu vou ter capacidade aeróbica para tudo isso? Como será que vou reagir à altitude?”
Para se testar, Kriger, filhos e um amigo resolveram percorrer a Trilha Inca de Cuzco a Machu Pichu, no Peru. “Eu nunca tinha acampado na vida, não sabia nem entrar em um saco de dormir, só na segunda noite descobri que aquilo abria de lado, na primeira me espremi para dentro feito cobra”, lembra ele, que foi alvo de piadas por sua inexperiência.
Como deu tudo certo no Peru, em outubro daquele mesmo ano Kriger seguiu para o trekking do Nepal. O guia foi Vitor Negrete, experiente alpinista brasileiro que morreria três anos depois no próprio monte Everest. A intenção inicial era só mesmo percorrer a trilha —que já é um desafio dos bons, pela acentuada altimetria, que é a diferença de altitude entre os diferentes pontos da jornada.
“Negrete achava engraçado que fôssemos tão inexperientes, eu nem sabia guardar o saco de dormir no saco de compressão, ele teve que me ensinar”, conta Kriger, divertido. “Mas as histórias que ele nos contava sobre a montanha eram tão fascinantes que foi despertando a vontade de chegar lá em cima também”.
POR QUE NÃO DAR UM PULINHO ATÉ O KILIMANJARO?
Kriger aproveitou uma viagem que fez em 2008 para a Austrália, onde participaria de um campeonato de natação para masters, para aproveitar e “dar um pulinho” até a Tanzânia, na África, e subir o Kilimanjaro, com pouco mais de 5.980 metros.
“Só que não deu, nosso guia bebia muito e acabamos nos perdendo na subida, não deu tempo de chegar ao cume”, explica. Continuou, assim, na natação até 2010, quando foi ao Aconcágua, já com o firme propósito de subir os sete picos mais altos do planeta (Everest, na Ásia; Aconcágua na América do Sul; Denali, na America do Norte; Elbrus, na Europa; Kilimanjaro, na África; Vinson, na Antártida; e Carstensz na Oceania). De quebra, aproveitando sua paixão pela natação, somou mais uma meta ao projeto: cruzar o canal da Mancha, que liga a França à Inglaterra, a nado, um velho sonho de infância.
“Fomos cinco pessoas em janeiro ao Aconcágua, na Argentina, mas
foram todos, mesmo sendo eles muito mais jovens, ficando pelo caminho, só eu cheguei ao cume”, lembra orgulhoso. Achou que estaria pronto para o Everest. Foi então se testar em picos da Bolívia e do Equador antes de encarar a empreitada.
“Você pode ir com guia, sherpa, o que for, mas se algo acontecer com eles, precisa saber como sair dali”, alerta. Só em 2013 voltou ao Everest, disposto a chegar ao cume. Não chegou. Parou aos 8.500 metros e precisou voltar, decisão pragmática mas nem por isso menos difícil para qualquer montanhista. “É preciso saber a hora de parar, uma hora a mais ou alguns metros a mais quando não há condição adequada podem acabar com sua vida”, ressalta.
Em 2017, Kriger fez a segunda tentativa de chegar ao topo do mundo. De novo, não deu, desta vez por causa das condições meteorológicas, que fecharam a janela de escalada antes do previsto.
Só neste ano, sempre com apoio incondicional da família, Kriger se despediu dos filhos e netos e finalmente cumpriu seu desafio, levando a bandeira brasileira ao topo, mesmo que os fortes ventos do cume a tenham destruído antes da foto protocolar. “Deu tudo certo, o tempo estava muito bom, a lua cheia, ventos fracos até perto do cume, e uma temperatura agradável de -22°, sendo que as roupas que usamos seguram até -40”, detalha.
DE VOLTA AO CANAL DA MANCHA
Se o Everest já foi escalado, assim como os demais seis picos do desafio, resta agora cumprir a última etapa de seu plano: cruzar o canal da Mancha.
Kriger já tentou a façanha uma vez, em 2014, mais foi forçado a desistir pela equipe de apoio que observa os nadadores para evitar mortes como a da brasileira Renata Agondi, em setembro de 1988, por hipotermia e fadiga.
“Faltavam poucas centenas de metros apenas, mas fui obrigado a abortar e só percebi que haviam me tirado da água 15 minutos depois de estar no barco a salvo”, conta. “A gente acha que tira de letra, mas não é a realidade”.
Para cumprir o plano, agendado agora para o ano que vem, Kriger mantém sua rotina de acordar 3h30 da madrugada, para estar na piscina da academia Gustavo Borges de Curitiba, onde treina (e da qual tem a chave, para poder mergulhar de madrugada), para estar no trabalho às 8h30. “A gente não pode deixar que o treino atrapalhe o trabalho, tem que mostrar à equipe que dá conta de tudo”, argumenta.