15:34Cartas de ‘Querido Lula’ explicam por que o ex-presidente é líder popular

por Mario Sergio Conti

Livro reproduz mensagens escritas por apoiadores quando o político estava preso em Curitiba

As cartas de súditos a seu mandatário, qualquer que seja ele, e desde o tempo dos reis, pertencem ao gênero suplicante. O missivista relata seus suplícios e então suplica: uma dentadura, casa própria, cadeira de rodas, uns trocados —me abençoa, pelo amor de Deus.

São cartas que permitem aquilatar as aspirações de gente humilde e à beira do desespero. Daqueles que, depois de bater em vão em portas incontáveis, apelam ao soberano, na crença de que o grande homem lhes concederá uma graça.

Em 2009, a repórter Carol Pires contou que Lula recebeu 550 mil mensagens postais e eletrônicas nos seus seis primeiros anos no Planalto.

Os pedidos eram encaminhados a seções do governo às quais diziam respeito. O atendimento era irrisório.

Uma das cartas não pedia nada. Uma mulher dizia escrever igual à mãe do presidente, dona Lindu, para que ele compartilhasse com a missivista a alegria de tomar posse. Foi uma das raras que Lula respondeu. Mas não deixou ninguém ler o que escrevera.

Quase 6.000 cartas foram mandadas por crianças. Um menino fez um pedido abrangente: “Presidente Lula, quero que você acabe com a fome no Brasil”. No fim, esclareceu: “Não era isso que eu queria dizer, mas a professora mandou”.

As palavras do povão ao painho estão de volta em “Querido Lula – Cartas a um Presidente na Prisão” (Boitempo, 240 págs.). Agora, elas são bem diferentes. As pessoas não pedem. Sabem que escrevem a um homem na lona, um destronado sem nenhum poder.

É um livro para ser lido com o espírito desarmado. Quem supõe que seja uma peça de propaganda eleitoral, e ainda por cima demagógica, não deve nem folheá-lo. É claro que, por seus autores serem lulopetistas, ele se presta a isso. Mas é muito mais.

Igualmente, os sabe-tudo que julgam conhecer a fundo as necessidades atuais e históricas da nação, e que vão tomar as cartas como emblemas de uma classe mecanicamente revolucionária, não tirarão proveito delas —caso não tenham olhos para o novo.

Tenha-se em mente o contexto. As cartas foram enviadas durante os 580 dias em que Lula viu o sol nascer quadrado. Como se comprovou à farta, a prisão foi ilegal, embora decretada sob a égide da Constituição (manipulada) e das suas instituições (caducas).

Nunca um ex-presidente esteve tão por baixo. Ainda assim, 25 mil pessoas escreveram para ele no xilindró. “Querido Lula” selecionou 46 das cartas e inúmeros desenhos. Numa ótima decisão, foram mantidas a sintaxe e a grafia originais, apesar de elas destoarem da norma culta.

São epístolas de calão leve (Dilma é “uma mulher da porra”, “muito do caralho”); humor (“quando você tinha cabelo eu não participava do movimento”); informações surreais como “pro desespero da burguesia, comprei um Celta (vermelho em homenagem ao PT)”; e conselhos (“preste atenção, menino: você não tem direito de ter uma gripe”).

Diferentes entre si, as cartas têm características em comum. São afetuosas, solidárias e tentam levantar o astral do cativo de Curitiba. Comprimida em duas palavras, a síntese das mensagens seria: “tamo junto”!

O segundo recurso é o de testemunhar. Todos os missivistas contam suas vidas. É gente que, graças aos governos do PT, pôde estudar e tirar diploma, ter profissão e um lugar para morar, formar uma família e criar os filhos.

É um bálsamo ouvir de viva-voz os que nunca são chamados a falar. Apesar de tantos arrazoarem em seu nome, ninguém é de fato seu porta-voz: políticos, artistas, pastores. Os que pouco falam, contudo, creem que Lula expressa quem são —por ter sido, também ele, um deserdado.

Por se dirigirem a Lula, os que lhe mandam as cartas são politizados. Mas não têm ódio nem perdem tempo com baixa política. Sergio Moro, artífice do cambalacho que levou o petista à masmorra, é mencionado uma única vez. De passagem, é chamado, com propriedade, de “juiz pavão”.

A política da qual o povo petista fala não é abrangente nem belicosa. Quando muito, há referências aqui e ali a “nós” e “eles”. Paira um desconforto difuso com os poderosos, sempre centrado no presidente, injustiçado por fazer o bem aos pobres.

O tom geral das cartas, salvo engano, é de quem dialoga com um painho carinhoso, afastado à força da família. Se for isso mesmo, o fato de Lula ser o maior líder popular do Brasil seria explicado mais pela identificação (ele e sua base vieram da pobreza) e menos pela política militante (para enfrentar os inimigos de classe).

*Publicado na Folha de S.Paulo

3 ideias sobre “Cartas de ‘Querido Lula’ explicam por que o ex-presidente é líder popular

  1. Cesar Augusto

    Povo miserável.
    Patrimonialista.
    Sem educação.
    Povo ignorante.
    Povo burro.
    Povo coitado.
    Esse é o perfil de quem acredita nesse bandido chamado Lula.
    Uma tristeza.

  2. Sergio Silvestre

    Nessa zona árida de líderes ao menos temos um ,Grande Lula,quem diria hein,de novo presidente.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.