por Ricardo Araújo Pereira
Foi o que me aconteceu quando li sobre pastor evangélico que quer proibir que a Bíblia seja alterada ou editada
Às vezes a gente lê um jornal estrangeiro e encontra uma notícia engraçada.
Mas, quando lemos um jornal brasileiro, apanhamos notícias tão engraçadas que é preciso parar para aquilatar quão engraçadas são, tantas são as camadas de comicidade.
Há aspectos hilariantes que não conseguimos captar numa primeira leitura distraída. Foi o que me aconteceu quando li a notícia segundo a qual a Câmara dos Deputados tinha aprovado a urgência do projeto de lei, apresentado pelo deputado-pastor-sargento Isidório, que pretende proibir que a Bíblia seja alterada ou editada.
Vamos por partes. O autor do projeto é um deputado-pastor-sargento. Um profissional mesmo muito completo. Trata da lei, da alma e da segurança. Se fosse um deputado-pastor-sargento-faxineiro, ele
seria uma administração inteira. Há municípios menos bem equipados de serviços.
Em segundo lugar, temos a urgência. Tendo em conta que a impressão em massa da Bíblia começou por volta de 1455, talvez a urgência de impedir alterações seja ligeiramente tardia.
Mas, ao que parece, mais de meio milênio depois da produção massiva de Bíblias, há tal quantidade de hereges a tentar introduzir correções no livro sagrado que o melhor é impedi-los, por via legal, de fazer as emendas sacrílegas.
O terceiro aspecto cômico é o fato de o proponente da lei ser um pastor evangélico. Ora, uma característica que distingue as confissões protestantes é, precisamente, o fato de terem editado e alterado a Bíblia.
A Bíblia católica tem 73 livros, a Bíblia protestante tem apenas 66. E já nem falo do fato de católicos e protestantes terem todos aditado uma sequela de 27 livros à Bíblia hebraica original.
Em quarto lugar, vale a pena lembrar que o deputado-pastor-sargento Isidório dirige a Fundação Doutor Jesus —que implica, ela própria, uma alteração do texto bíblico. Como sabemos, não só Jesus não frequentou a universidade como um dos episódios mais famosos do Evangelho de Lucas é o debate entre Jesus e os doutores, no templo de Jerusalém.
A conversa impressiona justamente porque Jesus não é doutor. Para este caso ser mais cômico, só mesmo se o deputado-pastor-sargento fosse a primeira vítima da sua própria lei. Fico a torcer por isso.
*Publicado na Folha de S.Paulo