por Drauzio Varella
Infelizmente podem surgir cepas mais contagiosas ainda, indiferentes à imunidade que adquirimos a duras penas
E agora? A ômicron será apenas mais uma das variantes a nos infernizar ou apontará para o fim da epidemia brasileira?
Essa pandemia nos ensinou que prever o futuro é tarefa inglória. Você, caríssima leitora, lembra que no início de 2020, quando nem havia vacinas, as previsões falavam de um pico de infecções e mortes, seguido da queda brusca do número de casos?
Enquanto aguardávamos o tal pico, o vírus acumulava mutações em silêncio que dariam origem a variantes mais contagiosas, como a delta, que se espalhou pelo mundo deslocando as anteriores. No final do ano passado diminuiu a procura por leitos hospitalares e a mortalidade caiu. Vários países afrouxaram as medidas de prevenção, para voltar atrás depois da euforia de fim de ano que ajudou a disseminar uma variante nova, muito mais contagiosa do que as anteriores: a ômicron.
Em mais de 50 anos de medicina, nunca vi uma virose se disseminar com tamanha rapidez. Ela, que era responsável por cerca de 1% dos casos de Covid ao redor do mundo, em duas semanas atingiu a marca de 50%. Em dois meses tinha espantado a variante delta, para se tornar presente em quase 100% dos casos. Virologista nenhum ousaria prever o aparecimento de um vírus que se disseminaria pelo mundo nessa velocidade.
O sucesso da ômicron se deve ao número de mutações sofridas. São cerca de 50, várias das quais em estruturas do vírus que funcionam como alvos para as vacinas. Com essas características, a vacinação e a doença prévia causada por outras variantes não foram capazes de proteger contra uma nova infecção. Não obstante, conseguiram reduzir a gravidade da doença.
Na fase em que nos encontramos podemos pensar em dois cenários: um pessimista, o outro não. No primeiro, surgirão novas variantes ainda mais contagiosas e, eventualmente, mais agressivas que perpetuarão nossas agruras sabe-se lá por quantos anos. O segundo acena para o fim da epidemia graças à vacinação somada ao grande número de pessoas imunizadas pela própria disseminação da ômicron.
Razões para pessimismo há muitas. No fim do ano passado, os virologistas imaginavam que se surgisse uma nova variante, seria derivada da delta, falavam até numa “delta plus” que teria dificuldade para infectar quem já tivera a doença causada pela variante-mãe. Ninguém esperava uma nova cepa com características tão diversas que os anticorpos produzidos contra a delta não oferecessem proteção.
Se a ômicron emergiu de forma inesperada, não estamos livres de assistir à emergência de uma ou mais variantes com mutações que modifiquem de tal forma outros componentes da estrutura viral que as tornem capazes de nos fazer voltar ao tempo em que não havia vacinas nem pessoas previamente infectadas por outras cepas.
A ômicron não surgiu da noite para o dia, deve ter provocado inúmeras infecções antes de ser detectada.
Quem pode assegurar que neste momento não haverá novos mutantes circulando anonimamente em algum canto do planeta? Essa possibilidade reforça a necessidade de vacinar e de instalar centros de epidemiologia genômica, capazes de sequenciá-los rapidamente, para obter novas vacinas.
No cenário otimista, é preciso considerar que as variantes mais contagiosas levam vantagem evolutiva na competição com as mais agressivas. Gente morta não anda por aí espalhando vírus. A ômicron predominou porque tem predileção pelo trato respiratório alto, ao contrário das anteriores que preferiam os pulmões, causando complicações mais graves.
Esse fenômeno aconteceu com a maioria das viroses respiratórias transmissíveis, que se disseminaram amplamente até surgir uma variante menos agressiva, que se tornou endêmica, isto é, presente, mas sem força para gerar epidemias com mortalidade alta.
É possível que esse seja o equilíbrio que o Sars-CoV-2 procura estabelecer com os seres humanos: sobreviver sem desrespeitar a vida do hospedeiro.
Seremos imunizados por uma combinação de vacinas com as infecções pela ômicron? Esse é meu palpite, prezado leitor, mas posso estar errado, caso surjam variantes mais contagiosas ainda, indiferentes à imunidade que adquirimos a duras penas. Como nos ensinou Charles Darwin, a seleção natural é imprevisível.
*Publicado na Folha de S.Paulo