Da FSP
Morre Miguel de Oliveira, segundo brasileiro campeão mundial de boxe
Pugilista descobriu modalidade por acaso, ao assistir a vídeo de Eder Jofre no cinema
Morreu nesta sexta-feira (15), em São Paulo, Miguel de Oliveira, 74, pugilista campeão mundial dos médios-ligeiros, em decorrência de um câncer no pâncreas. Ele foi o segundo brasileiro a conquistar um título mundial de boxe —Eder Jofre foi o pioneiro.
Ao contrário de Eder, a aventura de Oliveira no boxe não começou na infância. O primeiro contato com a modalidade aconteceu por acaso, quando viu imagens do título mundial de Jofre durante a exibição de um cinejornal em um cinema de São Manuel (SP), antes de assistir a um filme de faroeste. A vitória por nocaute sobre o mexicano Eloy Sanchez, ocorrida em 1960, deu ao Brasil o primeiro título mundial de boxe profissional.
Aos 14 anos, o garoto decidiu que queria ser pugilista e um dia se tornar campeão. O quintal de casa virou academia improvisada. O filho dos agricultores Bento e Alzira passava as tardes socando um saco de areia pendurado em uma árvore.
A oportunidade de seguir adiante com o sonho surgiu de novo por acaso. Darci, a irmã mais velha, morava em São Paulo e chamou o garoto para completar os estudos na cidade. Em Osasco, Miguel arrumou emprego na Rilsan, fábrica de náilon que tinha um clube para os funcionários. Lá, havia uma academia de boxe dirigida pelo treinador Jair Ongaro.
Foi com ele que Miguel deu os primeiros passos no ringue.
Segundo Henrique Matteucci no livro “Luzes do Ringue”, “Ongaro percebeu de imediato que tinha um diamante bruto nas mãos. Notou, em primeiro lugar, seu golpe rápido, seco. Não apenas forte, não propriamente golpe de demolidor. Golpe seco, que no ambiente pugilístico se chama de golpe justo. Ou seja: nem um milímetro para lá, nem um milímetro para cá. Justo. É o melhor, porque é o golpe colocado, pega com o peso e a velocidade certos, no ponto certo. E derruba”.
Ongaro inscreveu o pupilo, aos 17 anos, na Forja de Campeões, campeonato de estreantes promovido pelo jornal A Gazeta Esportiva. Não deu outra. O garoto venceu a estreia por nocaute e triunfou em todos os combates seguintes até conquistar o título.
Oliveira começou a colecionar troféus: bicampeão paulista, bicampeão brasileiro, bicampeão do Torneio dos Campeões.
Fora do país, disputou o Pan-Americano de Winnipeg, no Canadá, em 1967. Ficou sem medalha na categoria médio-ligeiro após perder por pontos para o mexicano Agustín Zaragoza, futuro medalhista de bronze naquele Pan e nas Olimpíadas da Cidade do México, no ano seguinte.
O brasileiro ainda foi terceiro colocado no Latino-Americano, disputado no Chile, em 1968. Mas a desilusão de não ser convocado para disputar as Olimpíadas daquele ano o levou ao profissionalismo.
Sob novas regras, Oliveira se destacou ainda mais. Enfileirou 29 vitórias seguidas (19 por nocaute) e ganhou a primeira oportunidade de tentar o cinturão mundial dos médios-ligeiros.
Em 9 de janeiro de 1973, enfrentou o campeão Kaishi Wajima pelo título do CMB (Conselho Mundial de Boxe) e da AMB (Associação Mundial de Boxe).
Diante de cerca de 11 mil torcedores presentes no Ginásio Metropolitano de Tóquio, o combate terminou empatado após 15 rounds. Como era praxe, Wajima manteve o título. O resultado, porém, foi polêmico.
“Anotei vitória de Oliveira por três pontos. Ele foi muito superior na técnica. Os golpes de Wajima foram sem direção, não tiveram sequência e seus ataques não mostraram técnica”, analisou Tamotsu Shimoda, repórter do jornal Yomiuri Shimbun.
“Para mim, Oliveira foi o vencedor por seis pontos. Seus golpes foram mais eficazes e ele bloqueou a maioria dos socos de Wajima”, concordou o japonês Hiroyuki Ebihara, ex-campeão mundial dos moscas.
O brasileiro seguiu adiante. Após nova sequência de cinco vitórias e ainda invicto como profissional, ganhou nova oportunidade de enfrentar Wajima pelos títulos do CMB e da AMB.
O palco foi novamente o ginásio Metropolitano de Tóquio, no dia 5 de fevereiro de 1974. Mas, desta vez, o japonês foi dominante, conquistando vitória por pontos, embora um dos jurados tenha dado empate em 73 a 73.
Abnegado, Oliveira voltou aos ringues com vontade redobrada de realizar seu sonho de juventude. Foram mais seis vitórias, para que aparecesse a terceira oportunidade: desta vez, apenas a disputa do título do CMB. Wajima, porém, que havia entrado em declínio na carreira, recusou-se a lutar com o brasileiro pela terceira vez. Acabou destituído do cinturão.
O título vago foi colocado em disputa no dia 7 de maio de 1975, no Stade Louis 2º, em Mônaco. Oliveira enfrentou Jose Durán e foi absoluto, mandando o espanhol duas vezes à lona. No final, ganhou por pontos, em decisão unânime dos jurados.
Na luta seguinte, em 9 de agosto, o brasileiro enfrentou o decadente Don Cobbs, que vinha de quatro derrotas, três delas por nocaute. O título não estava em jogo. Foi muito mais uma festa para o brasileiro ser visto pela torcida que lotou o ginásio do Ibirapuera. A vitória sobre o americano por nocaute no quinto assalto empolgou o público.
Paris foi o palco da primeira defesa de cinturão, contra Eliseu Obede, das Bahamas. No dia 13 de novembro, Oliveira chegou a colocar o adversário contra as cordas algumas vezes, tendo quase finalizado a luta no nono assalto.
Mas obedeceu às ordens do técnico Antônio Carollo para tomar cuidado com o contragolpe de Obede. E acabou perdendo a luta e o cinturão por nocaute técnico dois assaltos depois.
Oliveira confessou, tempos depois, que não tinha conseguido manter a empolgação após realizar o sonho de ser campeão mundial. O brasileiro ainda fez mais seis lutas e estendeu a carreira até 1980, mas nunca mais chegou próximo de disputar o título mundial.
Após deixar os ringues, o ex-campeão mundial trilhou nova e bem-sucedida carreira de treinador. Dirigiu pugilistas como Francisco Tomás da Cruz, José Arimatéia da Silva e Ezequiel Paixão.
O trio, assim como o treinador, teve a oportunidade de disputar um cinturão mundial nas principais entidades do boxe.
Tomás da Cruz foi o primeiro. Em 1987, em Nimes, na França, enfrentou Julio César Chávez pelo título dos superpenas do CMB. O mexicano, um dos grandes nomes do boxe naquela década, venceu por nocaute no terceiro assalto.
Arimatéia, que numa época ainda de amadorismo trabalhava de vigia, tentou repetir a façanha do mestre em 1996, em Buenos Aires. Enfrentou o argentino Marcelo Dominguez pelo título mundial dos cruzadores do CMB. O brasileiro abandonou no oitavo round.
Por fim, Ezequiel Paixão tentou o cinturão dos cruzadores da AMB dois anos depois. Prensista em uma metalúrgica, o pugilista tirou licença para se preparar para a luta contra Fabrice Tiozzo. O francês, porém, venceu o combate, disputado em Mont de Marsan, em 1998.
Não era fácil repetir a façanha de Oliveira. Apenas no ano seguinte, um certo Acelino Popó Freitas conseguiu a proeza. Popó venceu o russo Anatoly Alexandrov em Le Cannet, na França, por nocaute no primeiro assalto. Com a vitória, conquistou o título mundial dos superpenas da OMB (Organização Mundial de Boxe). Era o fim de 24 anos de jejum de títulos mundiais do Brasil entre as quatro principais entidades do boxe.