por Thea Tavares
Passada a pane das redes sociais, recebo uma mensagem apavorada da minha mãe:
– Diz pra mim se isso é verdade, por favor!!!
A última mensagem dela naquele dia pelo Whatsapp era a de uma figurinha de São Francisco, comemorativa do dia do santo protetor dos bichinhos. Era fofinha… Salvei entre os meus stickers favoritos.
Depois de ler o textão que ela tinha me encaminhado e que havia motivado sua apreensão, respondi em caixa alta: – TOMARA QUE SEJA!
Antes que o leitor se empolgue demais e saia bebemorando por aí, aviso que não se trata da notícia tão esperada, não. O plantonista do Alvorada ainda está de pé, aprontando das suas, uma pior que a outra.
A “notícia”, a que minha mãe se referia, era uma evidente fake news, que assustava as pobres idosas beatas com a ameaça de que o telefone seria clonado, invadido ou teria o chip desintegrado caso, após o tilt, se enviasse algum web card de “bom dia”, “boa noite” e outras saudações desse tipo.
Primeira reação foi uma pontada de inveja: – Por que não pensei nisso antes?
Mas logo, me compadeci da situação. A tristeza da senhorinha era de cortar o coração mais insensível e que gritava socorro em cadeia, visto que havia uma verdadeira procissão de amigas dela da igreja se lamuriando, ansiosas, e sofrendo diante da expectativa da confirmação daquela tragédia de proporções absurdas. Tamanho o sacrilégio!
Enviar mensagens meigas nos grupos daquele aplicativo era a principal (senão a única) diversão das vovozinhas. Vale lembrar que elas andavam privadas da socialização, confidências e fofocas dos encontros semanais na igreja e que a interação nos grupos familiares e das suas relações só foram potencializadas com esse tempo que sobrou e com o isolamento da pandemia da covid-19, em que justamente elas puxavam a fila de outro agrupamento social: o de risco!
A constatação dessa vulnerabilidade me encheu de culpa e de indignação. Fui reler aquela engronha para responder à aflição da mulher com a consideração e o respeito devidos.
– Mãe, é fake da grossa!
– Tem certeza?
– Claro.
– Mas foi uma madame lá da cúpula da igreja que me enviou.
Para mim, aquele carteiraço já soava como o principal indicativo da farsa. Óbvio que não verbalizei.
– Olha só: está citando China blá-blá-blá para se aproveitar do preconceito que foi disseminado em torno das baboseiras apregoadas por conta do novo coronavírus.
Percebi que o argumento não a convencia… Respirei fundo.
– Mas diz, aqui, que uma renomada advogada russa é quem está orientando as pessoas e alertando para o perigo.
– Nossa, uma advogada bam-bam-bam da parafernália da tecnologia da informação… E russa! Isso eu quero checar.
– O nome dela é Olga Nikolaevna. Conhece?
– Hummm… Vamos ver quem é essa tal renomada…
Após uma rápida e rasteira corrida ao Google, a gargalhada explodiu lá das entranhas, como a erupção do vulcão das Ilhas Canárias:
– É a irmã da Anastásia!!!
– Quem? Tá vendo? É conhecida mesmo!?
– Capaz!!
Levei um tempo para me recuperar. A barriga doeu de tanto rir.
– Mãezinha amada, idolatrada, salve, salve, do céu… Essa russa, aí, não é nenhuma advogada e está morta há mais de 100 anos!
– Credo! E você está rindo?
– Pelamoooorrrr… Era uma das grã-duquesas “Romanova”, filha do imperador russo, o Nicolau II, e irmã da Anastásia, que virou personagem de filme, de animação etc. Elas foram executadas com a família no início da Revolução Russa. Mesmo que tivessem escapado do pelotão de fuzilamento, não estariam hoje em condições de espalhar notícias falsas pra geral e assustar as vovozinhas. E se não for essa a inspiração da mentira, era uma tia dela, de mesmo nome, filha do czar Nicolau I, e teria morrido em 1892, quase 30 anos antes da outra.
Silêncio no outro lado, como se ainda relutasse para se desarmar do susto.
– Não sei dizer se a informação histórica na Wikipédia está 100% certa e também não tenho tempo para ir além disso. Mas, agora, assim rápido, é o suficiente para eu dizer pra senhora com todas as letras: é fake, fake, fakezão!
Se soubesse falar russo ou mandarim, usaria esse conhecimento para frisar a repetição e atestar com mais veemência a falsidade.
– Pode avisar as outras apavoradas, que é mentira. Não tem perigo nenhum enviar os cards.
Disse isto sem muita segurança. Não por receio do conteúdo daquela fake news ainda fazer sentido, mas antecipando o retorno daquelas mensagens de “ursinhos carinhosos”. Vamos encarar, força! Paz e bem, pensei, olhando para a figurinha que ela havia me enviado ao romper do dia. E emendei uma outra prece: orai e vigiai!
– Vou avisar logo, senão elas nem dormem! Disse a pobrezinha, empenhada nessa boa ação.
– Mas, bem de buena, mamis, tenta dar uma controlada nos “bom dia”, “boa tarde” e “boa noite”, tá legal?
– Eu não mando “boa tarde”. Tem “boa tarde” também?
– A senhora entendeu.
Rezei.
Por três dias seguidos de paz, não recebi nenhuma mensagem fofa dela. Nem sei dizer se era devido à desconfiança resistente, se eu não fui eficiente o suficiente para convencê-la da notícia ser falsa ou se ela entendeu o recado e parou de me enviar as saudações.
Enfim… Depois, fiquei ainda uns tempos matutando sobre a criatividade e a falta de empatia, sim, por trás daquela história criada. A gente que escreve todos os dias, que tem esse hábito até pelo exercício profissional, muitas vezes se pega protelando iniciar dois parcos parágrafos… Vem uma mente criminosa dessas e redige ao menos cinco encadeamentos mentirosos para enfartar as pobrezinhas das tias. Com tanto lote pra carpir, né, não? Valha-me, Nossa Senhora!