por Elio Gaspari
A mágica do imposto atolou; queriam enganar todo mundo
Na tarde de terça-feira, o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira, dava a impressão de que, somando promessas a ameaças, aprovaria o pacote chamado de reforma tributária. À noite, viu que, se fosse a voto, o projeto morreria. Adiou a votação por uma semana que depois virou uma quinzena e a esta altura não se sabe seu futuro. Bem feito, esperteza quando é muita come o dono.
A construção do pacote foi patética. Pretendia financiar um projeto que substituiria o Bolsa Família, sem explicar por quê. Como todas as iniciativas do gênero, vinha fantasiada de redução da carga tributária, mas acabaria elevando-a.
No escurinho de Brasília e da pandemia, primeiro salvaram-se os bancos, depois os advogados e os médicos. Em seguida, tentou-se tungar professores. Quando tentaram avançar no caixa dos estados e municípios, a mágica desandou.
No dia seguinte, Lira disse que o governo precisava se empenhar melhor, e o doutor Paulo Guedes anunciou que vai chamar a oposição para discutir o projeto, coisa que deveria ter feito há meses.Toda discussão de reforma tributária é uma barafunda, mas o gato embrulhado nesse pacote foi exposto pelo secretário da Receita Federal. Chama-se estímulo à pejotização.
No Brasil existem dois tipos de trabalhadores: os que vivem sob a Consolidação das Leis do Trabalho e aqueles que se transformaram em pessoas jurídicas, são os pejotas, pagando menos impostos e perdendo benefícios sociais.
O mundo dos pejotas vai da mais absoluta legalidade e racionalidade à fraude pura e simples. Exemplo desse caso: o pejota que dá expediente numa empresa, igualzinho ao celetista da mesa ao lado. Em muitos casos são as próprias empresas que estimulam essa anomalia.
A pejotizacão, infiltrada na privataria, produziu o efeito colateral da degradação das relações de trabalho em atividades públicas. Isso acontece quando um serviço é fatiado e alguns de seus setores são entregues a empresas privadas com funcionários pejotizados.
O pacote que está no Congresso incentiva essa malignidade. O sistema tributário brasileiro é ruim e a cobrança do Imposto de Renda é pior. Querem agravar o que não presta.
O deputado Celso Sabino (PSDB-PA), relator do projeto atolado, reclamou dizendo que prevaleceu o lobby que protege os maganos que nada pagam sobre os dividendos que recebem.
Acertou, mas essa turma está na sombra há décadas precisamente porque todas as tentativas de reforma do sistema tributário tentam tramitar no escurinho de Brasília.
Se os defensores do monstrengo mostrarem que ganha muito e paga pouco, enquanto quem ganha pouco paga muito, a discussão muda de patamar. A luz do Sol é o melhor dos detergentes.
*Publicado na Folha de S.Paulo