Amo a crase. Acho tão bonita. Mas, às vezes, não tenho vontade de usar. Posso? É um crime contra a Língua Portuguesa? Sim. Também não uso vírgulas quando não to afim. Nem acento circunflexo. Deixem-me escrever, apenas. Usei essa vírgula última para deixar mais bonito. E dar outro sentido à frase. Olha ela de novo. Tão bela. Brinco com as palavras. Nasci filha de quem escreve. Mas quero mesmo é ter minha própria escrita. Não venci em nada, porque a palavra não deixou. Sou sua escrava e sua serva. E no céu profundo da boca esconde-se a língua que fala: malas para viajar. Japamalas para ficar. Essencial ser o que se ouve. Ouço o mundo. Escrevo absurdos em poesias. É preciso coragem para ser poeta. Tá difícil reencontrar a crase. Ela vem como um sonâmbulo que encontra o que quer. Fiquei pensando nisso agora. Que bizarro. Só tiro sarro. Foi por isso que perdi a intuição. Mil e um nãos. E mil e uma noites sem dormir. Para escrever. Ideias me abandonam exceto a multidão de palavras. Tinha vírgula depois do abandono? Saberei se eu achar que um ponto e vírgula não for excesso. De novo: ideias me abandonam; exceto a multidão de palavras. Ficou melódico. Esqueci que sou mesmo é metódica. Meteórica só se for para enraizar o método na alma. Venha, minha amada crase, empoderar a sua ausência. Fui a templos budistas. Nunca mais me achei. Que rei sou eu? Que erro cometi? Comi poeira e ainda sinto o gosto da maçã. Ó conhecimento da vida. Trague a ferida dos meus calos. Dói ser apenas uma memória em que se especulam cores não inventadas. E lá vem mais uma madrugada. Não quero dormir enquanto ela não vier. Sim, a crase. Vou terminar, então, assim: à crase eu me entrego como quem planta uma flor. E ela me perdoa por sabê-la discriminar como uma folha rabiscada sem cor e sem amor.