19:08ZÉ DA SILVA

Não sou você mas viajo junto na noite escura. Saí da frente do mar verde que via de uma janela aberta para a vida. Dois meses depois, estou dentro do carro que parte no início da noite – e uma brisa acalenta meu corpo. Estou cansado, mas feliz. Não contei a quantidade de soro, de comprimidos, de bolsas de sangue, de doses de morfina, nem espetadas nos braços e até no pescoço. Contei, sim, os amigos que ficaram comigo num revezamento de amor. Tenho algo a cuidar aqui dentro e os de fora me ajudam. Em casa, depois deste longo tempo, os dois responsáveis por minha chegada na terra estarão presentes, mesmo na ausência eterna. As luzes da cidade grande ficaram pra trás. Atravesso canaviais dos senhores do engenho. Lugarejos pobres como sempre foram. Uma imagem do Padre Cícero dentro de uma redoma de vidro está iluminada na pracinha vazia. Na escuridão que vai até onde não sei, enxergo mais. Fui e voltei nessa estrada muitas e muitas vezes. Agora é diferente. Porque volto para o mesmo lugar que alguém chama de lar. A origem de tudo, desde os tempos que não sei, estão aqui dentro. Era e é um caminho. Uma alegria estranha parece fazer as dores se dissiparem no ar como o mugido de uma vaca que me olhou através da cerca logo ali atrás. Eu vi? Eu ouvi? Sim. Tudo agora é como um renascer no caminho. Aqui no carro, na noite amena. Com ele, que me descreve isso sem dizer uma palavra. Capto no olhar, aqui, a 3 mil quilômetros de distância.

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