6:24Hora de dar adeus a Cuba

por Maria Hermínia Tavares

Pobre, isolada, embargada e sem a influência de outrora, a ilha não passa de um anacronismo

Em 1960, Jean-Paul Sartre visitou o país com a sua companheira, a escritora Simone de Beauvoir.

Os mais cultivados entre os seus admiradores brasileiros esperavam que ele falasse do existencialismo, ou de seu polêmico livro “Crítica da Razão Dialética” —aqui lido por poucos. Mas, vindo de Havana, seu assunto foi a Revolução Cubana: a seu ver, a promessa de um socialismo libertário, a léguas do modelo soviético, e o fato presente de que a vitória dos guerrilheiros de Sierra Maestra atingia os interesses americanos no seu quintal, subvertendo a geopolítica da Guerra Fria. O fim da ditadura de Batista fez mais do que aquecer os corações da juventude rebelde e de intelectuais progressistas em muitos países: mudou a história da esquerda.

Só que o grande pensador francês estava errado. Não passou uma década para que Cuba se amoldasse ao “socialismo real”, confirmando que não há espaço para a democracia e as liberdades quando as empresas são do estado e o regime é de partido único.

Sua estrela política só se apagou com a derrota dos movimentos de oposição armada aos governos militares que fizeram da América Latina dos anos 1970 uma usina de autoritarismo. Inspirados pela experiência cubana e apoiados pelo governo de Fidel, multiplicaram-se pela região focos de luta armada —de esquerda, mas também autoritários e incapazes de vencer as ditaduras de direita.

Elas, finalmente, cederam à força de ampla movimentação democrática, à qual se somavam lideranças e organizações de diferentes colorações políticas. Os partidos e agrupamentos de esquerda que dela participaram nada tinham a ver com Cuba e seu modelo socialista, ainda que contassem com a participação de ex-guerrilheiros convertidos aos valores democráticos. O chileno Partido pela Democracia (PPD), as organizações uruguaias que se reuniram na Frente Ampla e o Partido dos Trabalhadores, no Brasil, são os exemplos mais destacados dessa esquerda com inequívoco compromisso com a democracia, as garantias individuais e o reformismo social. Compromissos mais do que provados quando governaram seus países com pleno respeito pelas liberdades públicas.

Enquanto isso, pobre, isolada, embargada e sem a influência de outrora, Cuba não passa de um anacronismo. Mais insondáveis se tornam, por isso, as razões da tolerância retórica do PT diante das arbitrariedades cometidas pela ditadura de Havana contra seus cidadãos. Essa ambiguidade apenas gera ruído que alimenta o discurso obscurantista da extrema direita. Por isso, é pior que um erro. É um delito político. Há que dar adeus a Cuba.

*Publicada na Folha de S.Paulo

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