por Antonio Delfim Netto
A LDO de 2022 foi conspurcada por um comportamento pouco republicano
De tempos em tempos, principalmente nos mais “estranhos”, é bom revisitar o texto da Constituição Federal.
A seção dedicada aos Orçamentos detalha a tecnocracia do planejamento financeiro do Poder Executivo através da Lei do Plano Plurianual (PPA), da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e da Lei dos Orçamentos Anuais (LOA). Sua lógica é dar ao país um sistema orçamentário com uma visão permanentemente ajustada quatro anos à frente, objetivos claros e independência da “política paroquial”.
O avanço do Legislativo sobre o Orçamento nos últimos anos, através de expedientes cada vez menos transparentes e coroado com a aprovação de R$ 6 bilhões para o “fundão” eleitoral na semana passada, vem garantir que o equilíbrio final de toda ordem é a desordem!
A LDO de 2022 foi conspurcada por um comportamento pouco republicano para um país que enfrenta uma crise inesperada de gravíssimas proporções sanitária, social e econômica. Os mais de 14 milhões de desempregados, os que dependem do Estado para sobreviver às consequências da pandemia, os jovens de baixa renda que demandam requalificação, os investimentos em infraestrutura e todos os demais programas e projetos de maior retorno social cederam seu possível espaço sob o teto de gastos ao autointeresse de deputados e senadores. Trata-se, na melhor das hipóteses, de uma corrupção moral.
Há algo de muito errado nas regras de um sistema político-partidário-eleitoral cujo equilíbrio sufoca as prioridades orçamentárias da sociedade. O fim do financiamento empresarial de campanha transferiu para o cidadão um ônus indesejado, travestido de “custo da democracia”. Produziu uma lei com incentivos tortos, que dá aos próprios beneficiários a prerrogativa de definir o tamanho da conta a ser paga pelos outros.
O resultado, portanto, não espanta, mas aprofunda a percepção cada vez mais arraigada na sociedade de que a política lhe virou as costas e existe hoje para servir-se do Brasil, oferecendo-lhe um retorno paulatinamente decrescente.
Se ainda sobra ao presidente algum comprometimento com as bandeiras que o elegeram, só lhe resta o veto ao fundão.
*Publicado na Folha de S.Paulo