por Antonio Delfim Netto
O governo paga caro para abrir mão de poder só para depois dizer que nada pôde fazer
O início dos trabalhos da CPI da Covid veio ressaltar, caso ainda houvesse alguma dúvida, a característica mais marcante do governo Bolsonaro: a completa incapacidade de se organizar politicamente para implementar qualquer estratégia.
Tanto a instalação quanto a configuração da CPI evidenciam uma combinação muito peculiar entre a inépcia e a falta de interesse em obter-se um governo funcional. O caso mais emblemático talvez seja a produção, pela Casa Civil, de uma cuidadosa lista de 23 crimes potenciais cometidos pelo governo, numa tentativa, atrapalhada e tardia, de reagir ao avanço da CPI.
O presidente Bolsonaro revela baixíssimo interesse em resolver problemas —do Brasil ou do governo. No primeiro caso, se abstém de apoiar as escolhas difíceis a serem feitas e as reformas econômicas de que o país precisa. Quando se manifesta, é para diluí-las ou proteger pequenos grupos. Na reação à crise da Covid, limitou-se ao (necessário) suporte financeiro aos estados e municípios, mas abdicou da prerrogativa de coordenar as ações que pudessem dar um mínimo de racionalidade ao enfrentamento da pandemia.
Com relação à disfuncionalidade dentro do governo, as oitivas de ex-ministros na CPI e a confecção da peça orçamentária são os exemplos mais recentes. Os depoimentos deixaram clara a resistência do governo em exercer o papel de organizar uma mensagem consistente para a população e em formular diretrizes claras para os entes federados.
Os protocolos de atendimento aos pacientes são apenas um dos exemplos. Qualquer pessoa com o mínimo de conhecimento sobre a heterogeneidade do Brasil sabe a dimensão de sua importância, principalmente nas localidades de menor capacidade estatal. Apenas agora, maio de 2021 e em plena CPI, tais expedientes estão sendo finalmente concluídos pelo Ministério da Saúde.
A construção do Orçamento, cujo norte é sempre muito afetado pelo Executivo, também foi reveladora da maneira como o governo atua.
Disputas públicas entre ministérios e destes com o Congresso foram observadas à distância por um presidente que se recusa a liderar e arbitrar. A tática de mostrar indiferença sobre os resultados e terceirizar os custos a todo o momento, a um alto preço, se traduz inevitavelmente em um ambiente de ruído, conflito e confusão, com claros reflexos sobre a tragédia sanitária e sobre uma retomada mais robusta da economia.
Nessa confluência entre incompetência e indiferença, é difícil precisar a proporção de cada uma. Vivemos o caso curioso do governo que paga caro para abrir mão da sua prerrogativa de liderança apenas para poder dizer que nada pôde fazer sobre coisa nenhuma.
*Publicado na Folha de S.Paulo