7:18DeLeite-se

por Thea Tavares

Não se trata de jabá, mas do dever de partilhar a beleza que transborda da leitura do mais novo livro do Zeca Corrêa Leite, esse menino cujos sonhos, para nossa sorte, desconheciam fronteiras: “Perfume de alfazema e algumas confissões perdidas”. Ganhei de presente do casal de amigos Cris & Lomba, praticamente uma instituição, essa obra delicada e preciosa, que já começa a nos arrancar suspiros na apresentação, capa, embalagem, papel, na escolha das cores, das fontes e no traçado das linhas. A gente folheia com um zelo e cuidado, quase que cultuando, sim. Pois é preciso render reverências a quem, nesses tempos de exaltação da tecnologia das mídias digitais, se dispõe a colocar tanto carinho impresso no livro.

Venho me deleitando nessa leitura a passos milimétricos para tentar reter por mais tempo sua companhia tão inspiradora. É meio que uma mania, um apego, que desenvolvi para essa temporada de reclusão. Fiz assim recentemente com o “Sicupira”, do Sandro Moser; com a biografia do Belchior, escrita pelo Jotabê Medeiros; com contos e poemas da inspiradora escritora de Niterói, a Lia Vieira, e até com as análises sobre ecologia e espiritismo do André Trigueiro. Protelei ao máximo alcançar o último capítulo, já antevendo a saudade.

Mas esse livro do Zeca tomou posse e fincou plaquinha de patrimônio no leito do coração. Encontro-me ainda na metade das impecáveis cartas trocadas entre Júlia e Frederico. Quero intuir o desfecho, como quem se entrega ao prazer de hipoteticamente desvendar os mistérios de uma trama em suspense policial, mas logo sou abduzida e convidada a puxar o freio de mão diante de uma frase ou de um cenário de arrancar o fôlego da gente e nos fazer emitir inúmeros e profundos suspiros de encantamento. É quando tudo para e se ouve com exatidão os passos do balé que uma folha faz ao desprender-se da árvore ou se presta atenção àquelas partículas dentro de um facho de luz. Estátua! Absorvo um ar travesso de brincadeira de infância. O Zeca nos deixa com uma bruta vontade de querer (ou ousar querer) ter pensado naquela composição, ter escrito assim e de ter saboreado em vivências também as sensações, afetos, conexões, desejos, encontro de afinidades e as interações que pulsam da ternura daquelas páginas, dos seus cenários.

Há uma tensão no ar, sim, de realidade latente, mas o diálogo entre duas almas que se abraçam à distância, conectam-se e que conversam com suas próprias aspirações mais elevadas do amor e da beleza transmite uma confiança na essência humana e na civilização que abriga sentimentos, ideias e expressões dessa natureza, projetados nessa convivência doce, que é difícil expressar em descrições racionais e materialistas. Quem dera todas as realidades fossem construídas a partir de criações assim! E tento esquecer por um momento o meu guru da MPB, quando canta todos os dias nos meus ouvidos que “isto é somente uma canção” e que “a vida realmente é diferente, quer dizer: ao vivo é muito pior”.

Desconheço o contexto e as inspirações, pois nada li previamente que me preparasse para aquele mergulho, mas as cartas de Júlia e Frederico – mal passei da metade, repito – sinalizam uma outra direção. Num tempo remoto, com gosto e aromas de um passado e de um estilo de vida que nos afoga em saudades, o romance elaborado nesse formato de correspondências pede que vislumbremos com doçura e até com alguma esperança as possibilidades e infinitudes que cabem dentro da alma humana e que precisam encontrar espaço nas turbulências cotidianas. Poderia ser uma leitura fácil, de tão inebriante que é, coisa de um final de semana… Muitas pessoas lerão assim e com toda a razão. Repetirão até, como a um filme que a cada vez que assistimos percebemos detalhes, cenas e sentidos com prazer de novidade. Mas o meu deleite é outro: adiar ao máximo, voltar e reler partes do que já havia nutrido minha imaginação. Nasceu de um presente e virou uma amizade. Entrou para a família!

Não imagino “Perfume de alfazema e algumas confissões perdidas” mofando numa estante, à espera de novos mergulhadores. As cartas de Júlia e Frederico precisam estar à vista e dispostas ao manuseio constante naquele altar sagrado da gente se fazer bem… Ambiente arejado para, em retribuição, exalar sempre o frescor dessa esperança tátil que carrega, moldada em forma de literatura. Gratidão.

7 ideias sobre “DeLeite-se

  1. Zeca Corrêa Leite

    Acabo de ler Thea Tavares e não sei dizer se estou em choque pela beleza das palavras ou se estou em estado de encantamento. Se é possível situar-se num território prefiro o da gratidão. Gratidão pela colocação de cada palavra, vírgula, ponto final, encadeamento de cada pensamento. Gratidão, espero, afasta vaidade, traz o peso da responsabilidade e aquele medinho que atravessa a alma: será que o “Perfume de Alfazema e Algumas Confissões Perdidas” é tudo isso que a sensibilidade de Thea captou? Gratidão e agradecimento à Thea, ao Lomba, às demais pessoas que nem conheço, pois compraram o livro por zap, depois de lerem sobre ele na imprensa, e me presentearam com lindas palavras emocionadas. Então, neste terreno de gratidão, agradeço e agradeço. Outros sentimentos recolherei em seguida. Deus abençoe a todos.

  2. Thea Tavares

    Poxa, Zeca! Você não cansa de encantar, emocionar e de embelezar a vida da gente, né?
    Eu já era grata pela leitura do livro… Comentário assim, então!? Benza, Deus!!

  3. miriam+karam

    nada mais justo para um livro que a Thea mesmo diz que precisa estar sempre à mão, sempre à vista, pra lembrar que o ser humano ainda tem jeito, embora cada dia mais raro. Só que como o Zeca e a forma como ele desenha palavras que enternecem corações de granito, já não há. Sua literatura nos dá tanto prazer que até parece que estamos roubando algo que não merecemos.

  4. Magaléa Mazziotti

    É exatamente como me sinto em relação a essa obra tão delicada, cuja troca de cartas entre Júlia e Frederico nos eleva a ponto de esticarmos ao máximo o tempo de chegar ao desfecho para que o encantamento nunca cesse. Tive a alma resgatada pelo “Perfume de alfazema e algumas confissões perdidas”, querida Thea! Saber que recebemos de presente dos mesmos amigos, torna ainda mais especial essa corrente de encantamento e de pessoas que quero para sempre em minha vida. Falei para o Lomba que o presente dele teve um efeito de bomba de bicicleta, quando infla o vazio da alma, sabe?
    Considero o Zeca Corrêa Leite nosso grande herói em tempos tão sombrios! Com seu talento e grandiosidade de alma, conseguiu trazer luz para nossas almas carcomidas pela tragédia em curso. Suas palavras mágicas e construções absolutamente redentoras são o meu elixir para voltar a sorrir e fazer sorrir presenteando a todos com essa obra necessária! Quero que essa quenturinha no meu coração se multiplique para conseguirmos resgatar a nossa condição de SER humano!
    Bravo, Thea e Zeca!!!

  5. Maria lucia

    Esse é o meu eterno amigo Zeca… encanta nos livros e na vida real… meu carinho e amor incondicional a esse talento! Abraços😍

  6. Thea Tavares

    Miriam, Magaléa e Maria Lúcia, corrente de encantamento não poderia definir melhor os comentários nesta postagem. O Zeca faz isso com a gente!!!

  7. Thea Tavares

    Em tempo: terminei a leitura. Reafirmo cada palavra escrita antes. A história só ficou mais bela e mais intensa. Valeu mesmo, Zeca! “A vida é uma obra inacabada”. É como sinto também e vou reler “Perfume de alfazema e algumas confissões perdidas” quantas vezes for preciso… Para nunca me esquecer dessa afirmação e desse sentimento, esse encantamento que me envolve agora. De novo: gratidão!

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