por Célio Heitor Guimarães
Em primorosa crônica, o saudoso Rubem Alves, o meu filósofo favorito, relembrou que se deu conta de que estava velho em um vagão lotado do metrô de São Paulo. Em pé, apoiado no balaústre, ele se dedicava a uma das coisas que mais lhe dava prazer: observar o rosto das pessoas, pois estava convencido de que o rosto das pessoas “revelam mundos”. E isto costumava comovê-lo, povoava a sua imaginação e, não raras vezes, rendiam bons assuntos para seus escritos.
Naquela tarde paulistana, os olhos do poeta, ao passearem pelo ambiente, defrontaram-se, de repente, com os olhos de uma jovem assentada. “Ela me olhava com um rosto calmo e não desviou o olhar quando os seus olhos se encontram com os meus”. Rubem confessou, sem nenhum pudor, que foi “um momento de suspensão romântica”. Sorriu para ela, que retribuiu o sorriso. E na cabeça do cronista começou a desenhar-se uma crônica: “Professor da Unicamp se encontra, num vagão de metrô, com uma jovem que seria o amor de sua vida…”.
Naquele momento, a moça levantou-se e ofereceu-lhe o lugar. O gesto dela, delicado e amoroso, perfurou o coração do nosso Rubem Alves. E ele entendeu, então, o sentido do olhar carinhoso e do sorriso da jovem: “eu lembrara-lhe o seu avô… um velhinho tão querido…”. E compreendeu que estava velho. “Foi um momento de revelação” – acentuou.
A maioria das pessoas odeia envelhecer. Mais do que isso: não admitem ser chamadas de “velhas”. Se isso é inevitável, preferem ser chamadas de “idosas”. Como Rubem, acho isso uma enorme bobagem. “Idoso” – dizia ele – “é coisa de fila de banco e de guichês de supermercados”. E ele, com toda a razão, se recusava a ser definido por bancos e supermercados. Além do que, achava “velho” uma palavra mais poética e literária. E afirmava que jamais compraria um livro que se chamasse “O idoso e o mar”, ainda que fosse escrito por Hemingway. Tampouco leria um poema, mesmo assinado por Olavo Bilac, que começasse assim “Veja essas árvores idosas…”. E, para arrematar, imaginava a história do casal que completa bodas de ouro. Cabeças brancas, eles se abraçam, se beijam, e ele diz carinhosamente para ela: “Minha idosa querida…”
Pior do que isso, só a tal “melhor idade”…
Como aconteceu com Rubem e acontece com todo mundo, também estou envelhecendo. E isto, para surpresa de muita gente – apesar das dores e as dificuldades outrora inexistentes – causa-me alegria. Uma sensação de vida vivida, de aprendizado sem preço, de missão quase cumprida, de histórias para contar, de experiência para repartir. Não tivesse envelhecido, não teria a bagagem armazenada, não teria a presença e o carinho de netos e agora de um bisneto e sem a coragem necessária para fazer as coisas de faço e dizer as coisas que digo.
Foi também do meu querido Rubem a descoberta de que há coisas que só se faz ou se diz quando se envelhece. E citava Nietzsche, que ele tanto amava: “Mesmo o mais corajoso entre nós só realmente tem coragem para aquilo que realmente conhece”. E também Albert Camus, leitor de Nietzsche: “Só tardiamente ganhamos a coragem de assumir aquilo que sabemos”.
Sabe o amável leitor porquê? Porque, como também aprendi com Rubem Alves – que manteve dentro dele, até o fim, uma eterna criança viva – que “a velhice é o tempo da verdade da alma”. Por isso, ele achava que a metáfora mais apropriada para a velhice é o crepúsculo: “O crepúsculo é lindo. Faz pensar. No crepúsculo, tomamos consciência da rapidez do tempo. E isso nos torna mais sábios”. Ademais, “quando o olho do divino e eterno se abre, descobrimos que somos velhos não por causa do tempo que passa, mas porque dentro de nós moram eternidades”.