8:19No escurinho do cinema…

por Thea Tavares

Ela fazia Letras. Ele, Agronomia.

Talvez, naquela época, ela tivesse uma cara tão de garota nojenta, que ele arrodeava, arrodeava, mas não criava coragem de convidá-la para sair.

Ela preferia acreditar que sua imagem fosse de alguém tão gente boa que o rapaz, por conhecer seu próprio comportamento desastroso com as mulheres, não queria estragar a amizade. Até parece! Embora, ele nutrisse sentimentos muito verdadeiros com relação a ela: queria pegar!

Um dia, o moço garrou coragem e convidou: – Vamos ao cinema!

– Vamos! E foram.

Ela estudava só pelo período da manhã. Ele, o dia todo. Para empreender o programa vespertino, ele já começava impressionando às avessas a garota, que sabia que a criatura estava matando aula.

– Qual filme? Perguntou o ansioso rapaz.

– Você escolhe, respondeu a moça.

Querendo demonstrar uma intelectualidade que nenhum dos dois possuía, ele escolheu ver no ano de lançamento “Hannah e Suas Irmãs”, do Woody Allen.

Almoçaram no Restaurante Universitário (o famoso bandejão do R.U.), que serviu no dia um sagu ao vinho Campo Largo de sobremesa, e encararam um busão biarticulado, naquela tarde de inédito sol em Curitiba, entre o Alto da Glória e o Cine Guarani, lá no Terminal do Portão.

Todas as intenções do mundo, as boas e as más, fervilhavam na cabeça do rapaz.

– O que achou? Queria saber, o infeliz ao final do programa.

Ela só lembrava de ter acordado quando o letreiro no telão já exibia o nome do diretor.

– É um Woody Allen, né? E aquilo soou como a síntese de sua crítica e avaliação do trabalho artístico. Na verdade, era quase que uma pergunta para confirmar os detalhes a serem lembrados.

Ela dormiu o filme inteirinho. Capotou! Ele, frustrado, ouviu uma hora até um ronco mais assustado dela, seguido de um apitinho suspirante e do silêncio. Até que as luzes da sala reanimaram o alvo da cobiça dele.

Anos depois ela relembrava desse episódio, contando para a filha, já adulta e curiosa por se inteirar do que a mãe havia aprontado nos idos da faculdade. Curiosidade maquiavélica, diga-se de passagem, porque a garota queria mesmo era se municiar de elementos para ter com o que barganhar no futuro e poder contar com a aquiescência materna eternamente.

– Daí, você acabou se casando com o papai. Ele também te levou alguma vez no cinema?

– Sim.

– O que vocês foram ver?

– Calígula!

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