por Thea Tavares
Ela fazia Letras. Ele, Agronomia.
Talvez, naquela época, ela tivesse uma cara tão de garota nojenta, que ele arrodeava, arrodeava, mas não criava coragem de convidá-la para sair.
Ela preferia acreditar que sua imagem fosse de alguém tão gente boa que o rapaz, por conhecer seu próprio comportamento desastroso com as mulheres, não queria estragar a amizade. Até parece! Embora, ele nutrisse sentimentos muito verdadeiros com relação a ela: queria pegar!
Um dia, o moço garrou coragem e convidou: – Vamos ao cinema!
– Vamos! E foram.
Ela estudava só pelo período da manhã. Ele, o dia todo. Para empreender o programa vespertino, ele já começava impressionando às avessas a garota, que sabia que a criatura estava matando aula.
– Qual filme? Perguntou o ansioso rapaz.
– Você escolhe, respondeu a moça.
Querendo demonstrar uma intelectualidade que nenhum dos dois possuía, ele escolheu ver no ano de lançamento “Hannah e Suas Irmãs”, do Woody Allen.
Almoçaram no Restaurante Universitário (o famoso bandejão do R.U.), que serviu no dia um sagu ao vinho Campo Largo de sobremesa, e encararam um busão biarticulado, naquela tarde de inédito sol em Curitiba, entre o Alto da Glória e o Cine Guarani, lá no Terminal do Portão.
Todas as intenções do mundo, as boas e as más, fervilhavam na cabeça do rapaz.
– O que achou? Queria saber, o infeliz ao final do programa.
Ela só lembrava de ter acordado quando o letreiro no telão já exibia o nome do diretor.
– É um Woody Allen, né? E aquilo soou como a síntese de sua crítica e avaliação do trabalho artístico. Na verdade, era quase que uma pergunta para confirmar os detalhes a serem lembrados.
Ela dormiu o filme inteirinho. Capotou! Ele, frustrado, ouviu uma hora até um ronco mais assustado dela, seguido de um apitinho suspirante e do silêncio. Até que as luzes da sala reanimaram o alvo da cobiça dele.
Anos depois ela relembrava desse episódio, contando para a filha, já adulta e curiosa por se inteirar do que a mãe havia aprontado nos idos da faculdade. Curiosidade maquiavélica, diga-se de passagem, porque a garota queria mesmo era se municiar de elementos para ter com o que barganhar no futuro e poder contar com a aquiescência materna eternamente.
– Daí, você acabou se casando com o papai. Ele também te levou alguma vez no cinema?
– Sim.
– O que vocês foram ver?
– Calígula!
Simples, delicado e delicioso!