por Joaquim Ferreira dos Santos
Os brutos também amam, dizia a música de Agnaldo Timóteo, este que se foi no sábado e já está sentado onde merece, à mão direita de Francisco Alves, Orlando Silva, Silvio Caldas, Dick Farney e Waldick Soriano no trono dos maiores cantores românticos de todos os tempos. Soltava os bofes, cantava o fino. Tinha um jeito meio rude de querer e nem aí se brega, se cafona, esses rótulos que os críticos cravam no peito dos que amam desesperadamente, despudoradamente, desbragadamente. Sofria a vontade de gritar o nome do grande amor bem alto no infinito. Quem nunca?
Desde a bossa nova tem sempre alguém querendo convencer o brasileiro de que bacana mesmo só se cantar baixinho, desafinar com elegância e nunca confessar pé na bunda. Esse palpite infeliz deu aos cantores de vozes poderosas o mesmo destino do pente Flamengo, do suspensor anatômico Big e do estojo campeão da Gilette, símbolos ultrapassados do macho nativo. Ter gogó virou item da masculinidade tóxica.
Agnaldo Timóteo com sua voz tamanha, mas de timbre aveludado, lutou contra essa maré de sussurros ao lado de Emílio Santiago, Nelson Ned, Tim Maia, Ney Matogrosso, Toni Platão. Desde sábado está também à mão direita de Cauby Peixoto, Vicente Celestino, Jorge Goulart, Nelson Gonçalves e Jamelão no trono dos grandes vozeirões nacionais. A voz podia ser grave, alcançar o tom das nuvens distantes, mas era especializada em proclamar derrotas amorosas e pedir na linguagem universal da canção sentimental o socorro sem constrangimento dos que acabaram de ser abandonados. Quem é que não teve um grande amor, não chorou por ele uma lágrima sentida?
Tudo isso pode parecer semelhante a tal da “sofrência” tão em moda, mas nada a ver. Os novos sofredores usam a situação de abandono apenas para iniciar a canção, pois já no segundo verso eles estão dando a volta por cima e anunciando que hoje à noite vão cair matando, tomar todas e passar o rodo em todas que assim se dispuserem. Apenas uma versão 2.0 do velho machismo. Timóteo é da geração romântica. Ia fundo na dor. Orlando Dias, Adilson Ramos, Altemar Dutra, Carlos Alberto, Lindomar Castilho, Reginaldo Rossi, seus rivais nos anos 1960, também não tripudiavam de quem os desprezava. Humilhavam-se. “Há quanto tempo estou chorando?”, começa um dos maiores sucessos de Timóteo.
Em 2014, quando Nelson Ned morreu, o crítico muito sério de uma revista semanal, o mesmo que passou toda a sua existência profissional sem escrever uma linha sobre o artista, lamentou que tivesse morrido uma espécie de Frank Sinatra em versão bonsai. A morte de Timóteo é uma oportunidade para a crítica pensar melhor sobre o grande cantor e a importância de sua arte. Menino, Timóteo engraxou todos os sapatos que passavam na praça de Caratinga e, nas horas vagas, aprendeu a cantar ouvindo o alto-falante do parque de diversões. Artista, surgiu nos últimos momentos de poder do rádio e no início do auge dos programas de música nos auditórios da televisão. Vai embora uma voz emocionante do Brasil profundo, um representante sensível desta triste galeria do amor e de sentimentos cada vez mais escondidos.
*Publicado no jornal O Globo
Vi Agnaldão quando começava ainda, mas já pegando embalo. No Atlético. Não me lembro o ano.