DIÁRIO DA PANDEMIA
Levantei-me bem cedo para olhar a bagunça no pátio. O dia nem tinha clareado. Dona Humildes já estava ali, cumprindo suas funções. Agradou-me vê-la usando a minissaia que lhe fora presenteada por uma daquelas senhoritas do 32, que recebem homem em casa. Vejo os caminhos de formiga com que a idade presenteou as suas coxas. Daqui, quase que eu grito: “Vai trabalhar, vagabunda”, em tom de mofa, é claro, que tudo o que ela faz é trabalhar. Se nos autocensuramos no deboche aos poderosos, em quem mais poderíamos jogar nossa chacota? (Caramba, quase que eu digo xoxo…). Está ali, a coitada. Varre os despojos da guerra. Abaixa-se para apanhar os tubos vazios de lança-perfume. Mas a cuequinha de Robin, que estourou na bunda do capitão, isso ela pega com o cabo da vassoura e põe na lata do lixo. Ouço a discussão vinda do apê do capitão: Batman levando esporro do Robin pela perda da calcinha. O primeiro carro a sair é do bloco G. Passa por cima dos sacos onde Dona Humildes recolheu o lixo. Confetes e serpentinas malucas querem continuar brincando o carnaval. Dona Humildes, pacientemente, começa a varrer tudo de novo. Para isso ela é paga.
Filme: A INFANCIA NUA (direção de Maurice Pialat, com os atores Michel Terrazon, Linda Gutemberg, Raoul Billery e Marie Marc – 1968) O filme mostra a orgia dos condôminos de um condomínio, que passaria a ser conhecida como Festa do Pequi Roído. Cenas violentas quando um menino cobra do seu mentor cadê a minha calcinha?