10:05Avaliação da pandemia de COVID-19 em Curitiba no estado do Paraná, necessidade de lockdown e medidas mais restritivas

Para os que ainda duvidam da situação grave da pandemia em Curitiba (e região metropolitana) e não leram a nota técnica do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia colocada em link aqui ontem, segue o texto e gráfico na íntegra: 

por Lucas Ferrante1,*, Luiz Duczmal2 , Wilhelm Alexander Steinmetz3, Alexandre Celestino Leite Almeida4, Jeremias Leão3, Unaí Tupinambás4, Ruth Camargo Vassão5, Philip Martin Fearnside6

1Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) – Programa de Biologia (Ecologia). 2Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). 3Universidade Federal do Amazonas (UFAM) 4Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). 5Pesquisadora Aposentada do Instituto Butantan. 6Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA).

*Autor correspondente: [email protected]

Com apenas 3.3% da população do Paraná vacinada1, o isolamento social se mostra atualmente como a única medida preventiva com eficácia devidamente comprovada para conter a pandemia da COVID-192. O relaxamento do isolamento social, antes da redução significativa do número de casos de COVID-19, é apontado como o risco para a ocorrência de novas ondas, com aumento do número de casos, internações e óbitos 3.

Os alarmes epidemiológicos para a tomada de decisão por parte dos agentes de saúde pública podem ser soados com antecedência com base em previsões a partir de modelos SEIR (Susceptíveis – Expostos – Infectados – Recuperados). Estes modelos estatísticos computacionais constituem a ferramenta primária para estudos epidemiológicos de resposta à COVID-19 a nível global4,5,6,7,8. Os modelos SEIR tem predito com precisão e antecedência o aumento de casos, internações, óbitos e a ocorrência de novas ondas para o Brasil, a exemplo da segunda onda predita em Manaus, conforme apresentado na Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas8, sendo que a negligência em ignorar estes resultados têm representado um alto custo de perda de vidas9.

Através desta nota técnica, reportamos as conclusões de um estudo com o modelo SEIR, considerando toda a população de Curitiba, no estado do Paraná. Nesse modelo, analisamos a evolução temporal das curvas epidemiológicas de Susceptíveis

  • Expostos – Infectados – Recuperados, e apontamos para o risco iminente de uma terceira onda de COVID-19 em Curitiba, com proporção quatro vezes maior que a primeira e segunda ondas já vivenciadas pela capital em 2020. Além disso, nosso modelo ainda prevê que Curitiba enfrentará uma quarta onda de COVID-19 caso não for adotado um isolamento social rígido e vacinação em massa para conter a propagação do vírus na capital do

A nova variante do SARS-CoV-2, denominada P.1, e que teve origem na região Amazônica, já foi registrada no município de Curitiba10, potencialmente agravando ainda mais a situação da pandemia, uma vez que se sabe que a P.1 é duas vezes mais transmissível11, e cuja carga viral presente no organismo dos infectados é cerca de dez vezes maior que a carga viral em pacientes infectados pela linhagem do SARS-CoV-2 que deu início a pandemia de COVID-19 no Brasil em 202012. O modelo SEIR ainda projeta que Curitiba deve vivenciar uma taxa de óbitos por COVID-19 que deve variar em média de 80 até 90 mortes diárias entre o final de março ao início de abril, mas podendo atingir limiares superiores a 100 óbitos diários neste período se não forem adotadas medidas mais rígidas de isolamento social.

O Brasil já possui exemplos claros que mostram as trágicas consequências de se negligenciar a aplicação de isolamento social e propiciar um retorno precoce das atividades não essenciais e aulas presenciais. Ao gerar o aumento de número de casos, internações e óbitos, levando a uma segunda onda de COVID-19 ainda mais devastadora, a cidade de Manaus foi a primeira capital do Brasil a flexibilizar a abertura do comércio e retomar as aulas presenciais, ignorando recomendações técnicas que previam um aumento de casos13,14. Após três semanas do retorno presencial do ensino fundamental, o número de casos de COVID-19 no município dobrou, resultando na segunda onda de COVID-19 que Manaus vivenciou em dezembro de 2020 e janeiro de 202115. O reconhecimento de que a retomada das aulas presenciais em Manaus foi o gatilho que desencadeou a segunda onda de COVID-19 no município, foi consenso entre cientistas e o procurador-chefe do Ministério Público do Trabalho16. Este procurador relatou ainda que a Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas reconheceu tal retorno como o gatilho gerador da segunda onda de COVID-19 na cidade16. A terrível experiência de Manaus deixa clara a inviabilidade de retorno presencial ou híbrida quando o município ainda está em estado de transmissão comunitária. A Organização Mundial da Saúde (OMS), é clara em definir que a retomada das aulas presenciais ou híbridas necessitam de um amplo programa de testagem, tendo como princípio diminuir o contágio de localidades em transmissão comunitária17. Tal monitoramento e testagem não tem sido efetivado em proporções adequadas em nenhuma cidade brasileira, incluindo Curitiba.

A situação que se projeta para Curitiba por si só é grave, e o relaxamento do distanciamento social neste momento, além do retorno das aulas nas modalidades presencial ou híbrida deve agravar ainda mais a situação. Certos estudos, como o realizado pelo Vozes da Educação18 em agosto de 2020 se mostram falhos e com metodologias inadequadas ou tendenciosas para se avaliar a segurança do retorno as aulas presenciais; por exemplo, um país como Portugal, cuja situação fora classificada como satisfatória, fechou escolas e universidades após recordes de mortes por COVID-1919. Também foi evidenciado, que em outros estudos que apontaram tal segurança, os autores excluíram deliberadamente dados que apontariam para o risco da retomada de aulas20. Escolas na Suécia relataram contaminação de um quarto dos funcionários após o retorno presencial e excesso de mortes de crianças entre 7 e 16 anos que totalizaram um aumento em relação à média histórica20. Embora a maioria das vítimas fatais por COVID-19 sejam adultos, as crianças possuem carga viral equivalente aos adultos, sendo também transmissores do SARS-CoV-2 21, o que coloca em risco pais, avós, professores e funcionários. Especialistas apontaram no periódico científico Science que o retorno precoce tende a aumentar o risco de contaminação na comunidade20. Mesmo os cientistas que defendem a volta às aulas presenciais antes de uma vacinação adequada são categóricos em afirmar que esta volta deverá ocorrer em um ambiente de controle da pandemia20. A inviabilidade do retorno presencial ou híbrido para Curitiba neste momento é respaldado pelo modelo SEIR. Onde estima-se que este retorno iria acelerar a transmissão da COVID-19, colocando em risco de infecção mais de 500 mil pessoas em Curitiba. Desta forma, o retorno de atividades como a volta às aulas presenciais ou híbridas devem ser consideradas seguras quando limiares de imunização de rebanho via vacinação forem adquiridos pela população, assegurando-se que a cidade não esteja em níveis de transmissão comunitária.

Dada a situação que se projeta para Curitiba, recomendamos um lockdown com restrição superior a 90% da população por um período mínimo de 21, com necessidade de prolongamento até 30 dias caso não haja recrudescimento acentuado do número de internações e casos. A adoção de período insatisfatório para controle da pandemia representa um risco de novo aumento de casos e óbitos. Concomitante ao isolamento social, deve-se manter a vacinação da população e se possível aumentar as taxas de imunização.

Média de óbitos por COVID-19 observadas e projetados por dia em Curitiba

 

Modelo SEIR: A cidade de Curitiba, PR, passou por duas ondas de COVID-19 em 2020, com picos de mais de 20 óbitos diários; a primeira onda culminou em agosto de 2020 e a segunda em dezembro de 2020. A curva verde mostra o número registrado diário de óbitos de COVID-19, e a curva vermelha mostra o número de casos registrados (fora de escala, para facilitar a comparação com a curva de óbitos). A partir do final de fevereiro de 2021 ocorreu um aumento explosivo no número de casos de COVID-19 detectados (curva vermelha, à direita), e o modelo estatístico computacional SEIR projetou a curva de óbitos (em preto) a partir de março de 2021. Caso nenhuma medida eficaz de isolamento (lockdown) seja implementada, o número de óbitos deve alcançar a marca de 80 óbitos diários no final de março ou no início de abril. O modelo SEIR prevê ainda, que nessas condições, e com o agravante de não se ter ainda um plano efetivo de vacinação, que uma quarta onda de COVID-19 se forme a partir do mês de julho.

*Estudo encomendado pelo Núcleo Curitiba Sul da APP Sindicato

Uma ideia sobre “Avaliação da pandemia de COVID-19 em Curitiba no estado do Paraná, necessidade de lockdown e medidas mais restritivas

  1. Hugo Primo

    No final de fevereiro, durante entrevista à CNN, Rafael Greca, numa alusão ao governo federal e jogando para a platéia, teve um faniquito e começou a gritar ‘não matarás’… Contrariando todas as recomendações, Curitiba está prestes a flexibilizar as atividades, com 86% das utis ocupadas e alta transmissão da covid na cidade. Como é que fica o não matarás? O prefeito fala uma coisa e faz outra? Por que critica uma política genocida, se vai liberar o povão nesse momento delicado?

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