7:03Maria mulher

por Thea Tavares

Inconscientemente, sempre ambicionei à meta de corresponder àquela frase do poeta cubano José Martí, que diz que toda pessoa deve necessariamente, ao longo de sua vida, plantar uma árvore, ter um filho e escrever um livro. Projetos e ideias de publicações para passar a régua nesse passivo não me faltam. Mas um, em especial, vem ganhando forma nos últimos meses. Ficou na gaveta por quase duas infinitas décadas, embora sempre latejasse a memória e surpreendesse em estalos de lembranças constantes e repentinas ao longo desse período de protelações ou de maturação, como se queira classificar. Durante as tarefas mais corriqueiras do dia a dia, surgia um significado para lembrar da dívida contraída com a promessa de escrever e de publicar aquela história.

O tempo passou, entre atribulações, prioridades e aprendizados. Hoje, com três capítulos e duas apresentações diferentes já rascunhados, percebo que quem não havia amadurecido para trazer à luz aquela narrativa era apenas e tão somente a própria escritora. Sem as vivências que viria a adquirir nesse período de espera e de gestação, também munida dos desapegos ensinados pelos percalços da vida, não poderia sequer compreender a alma da protagonista e muito menos depositar um olhar de gratidão e de generosidade sobre o desenredo da história. Aquelas referências bibliográficas só poderiam ser citadas se apoiadas em base sólida de humildade e de honestidade.

Sempre achei que a história de Dona Maria Izabel da Silva rendesse um livro. Que contasse uma saga inesquecível por se tratar de uma narrativa viva, real e que retrata o cotidiano, até hoje, de muitas Marias espalhadas por esse Brasil afora. Com pouco mais de 87 anos, essa mulher simples, da região central do estado, de mãos calejadas, olhar ao mesmo tempo sábio e inquieto, dona de palavras inspiradoras, é um resumo de cada uma de nós. Mais do que uma simples sobrevivente do seu tempo, nossa heroína ainda consegue criar e apontar para o novo. Ela é, na vida de quem a conhece, um caso de amor à primeira vista. E a identificação natural com sua história e seus feitos é uma fonte inesgotável de força, de sabedoria, coragem, de crença em si mesma e de transformadora esperança.

O motivo para a empreitada veio da frase dela, em uma entrevista para um documentário: “a vida é um livro que a gente escreve, mas se esquece de ler”. A partir daí, e em decorrência de um crescimento adquirido nessa convivência, quis presenteá-la com a sua própria história escrita para que pudesse sempre folhear ou ter às mãos. Para lembrar-se de ler, enquanto redigia os novos capítulos.

Quando penso no significado do 8 de março, deste Dia Internacional da Mulher, personifico tudo o que ele representa na figura da Dona Maria Izabel. Como spoiler, registro nesta data ainda o rascunho de um trecho da segunda apresentação da obra que tranquilizará minha consciência junto a dois credores morais: a personagem do livro e o compromisso que estabeleci com a frase do José Martí:

“’Quando você terminar de escrever este livro, eu posso morrer’. Ao proferir essas palavras, Dona Maria Izabel sentenciou a pena de quase duas décadas de protelação e de atrasos na entrega da publicação, de promessas descumpridas e de outras tantas formas de adiamentos com as mais esfarrapadas e variadas desculpas da autora. Tudo com o intuito de segurar nos dentes a vida e a saga dessa mulher aguerrida, sábia e simplesmente Maria. Uma Maria vivida, marcada e definida pela fé. Movida a esperanças e indignações. Em busca, desde sempre, de brechas para expressar sua alegria e vitalidade diante de inúmeras portas trancadas para aprisioná-las nos conformismos, convenções e conveniências de uma sociedade desigual, perversa e discriminatória.

Por todo esse tempo, as gravações ficaram mudas e esquecidas nas fitas e no gravador portátil… Adormecidas também ficaram a voz, as histórias, os ensinamentos, crenças e inquietudes que nos transportam para décadas passadas na linha do tempo do nosso povo e, simultaneamente, para situações que, de tão reais e de tão corriqueiras, poderiam estar ocorrendo no presente momento, na casa e na realidade de milhares de outras Marias.

Sim, Maria Izabel da Silva é um livro, que sobreviverá como bandeira de esperança e de superação na vida de toda menina e de toda mulher que vierem a se apropriar de suas palavras contadas, refletidas, exaltadas e benditas. Curitiba, 2021”.

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