DIÁRIO DA PANDEMIA
Sentado na janela do apartamento, as pernas para fora, dou o aviso: “Vou pular”. Ali em baixo, no pátio, uma multidão começa a se aglomerar. Uns me pedem calma, outros dizem para não fazer isso, mas a maioria faz coro: “Pula! Pula!” Os bombeiros arrombaram a porta do meu mocó, então entrando, Jolim defende valentemente o território, ora latindo como um desesperado, ora dizendo claramente aos invasores que chispem dali. Sentado na janela, de pernas para fora, eu entendia a linguagem do cachorro. Os bombeiros avançam, valentemente. Arrombam a porta do quarto, trancada à chave. Eles vêm em minha direção, querem me impedir de saltar no espaço e acabar com tudo. Um dos invasores é uma mulher, ela chega perto de mim, me tira dali, me carrega no colo até minha cama. Um bombeiro fecha as cortinas, fazendo escuro. Jolim dá um latido de alegria e o bombeiro põe o dedo nos lábios, shhh, o menino vai dormir. Minha mãe canta canções de ninar de um ontem perdido na memória, e a esperança de viver volta a pulsar neste peito desesperado.
Filme: MÁ EDUCAÇÃO (Direção de Pedro Almodovar, com Gael García Bernal, Fele Martínez e Daniel Giménes Cacho). As aventuras de um menino lesado que só era levado a sério pelo rebanho de reses que o ouviam quando ele ia ao pasto.