18:31OS ACADÊMICOS DA SAPOLÂNDIA

por Roberto Prado e Antonio Thadeu Wojciechowski

De repente o tal do Luís Américo nos dá o X da questão:

“Vou dar bolacha
em quem mexer com a minha nega
já dei colher de chá,
agora chega”.

O povão é louco mesmo. Do brejo das almas salta uma tessitura de ecos e ressonâncias, sambando a la John Donne:

“cuidais que são e não são
homens que não vão nem vêm
parece que avante vão
entre doente e o são
mente a cada hora a espia
na meta do meio-dia
andais entre o lobo e o cão”.

Pérolas boiam na lavagem atirada aos porcos da mídia, puro deleite, entortando a gramática, bagunçando a lógica (ouvide Adoniram), nos apaixonando “pela dona do 1º andar”.

Mas “eu já disse a você que malandro demais vira bicho” por isso não confunda com vanguardismo. Já no século XVII, Gregório de Matos misturava coisas de todos os povos que por aqui saqueavam e andavam:

“pés de puas com topes de seda
cabelos de cabra com pós de marfim
pés e puas de riso motivo
cabelos e topes motivos de rir”.

Ouça os fonemas oclusivos bilabiais (P – surdo- e B – sonoro), nos linguodentais (T – surdo- e D – sonoro), e no velar C – surdo – formando os pares aliterativos. Quero morrer na cadência bonita do samba.

Augusto dos Anjos, poeta singular, em Gemidos da Arte, faz as letras A e R voarem:
“Um pássaro, alvo artífice da teia
de um ninho, salta, no árdego trabalho
de árvore em árvore e de galho em galho,
com a rapidez duma semicolcheia.”

Por outro mesmo lado, Cruz e Sousa imporia ritmo forte, frenético e penetrante no soneto Acrobata da Dor:
“Da gargalhada atroz, sanguinolenta,
agita os guizos, e convulsionado
salta, gavroche, salta clown, varado
pelo estertor dessa agonia lenta.”

O mestre negro ensinou nossos brancos a amar Baudelaire e Edgar Poe. Em Noel Rosa, o pulo inverso: um branco ensina nossos negros que “batuque é um privilégio”.

A doida brasileirice ecoa nas marchinhas, onde o espaçotempo desintegra a realidade, “ô abre alas que eu quero passar”, “mamãe eu quero mamar”, “alalaô ô ô, mas que calor ô ô”, “eu mato quem roubou minha cueca”.

Momo hoje perdeu graça, graças à reciclagem mecânica do que já está na parada. Kojak devia meter bronca nesta moçada, junto com o Kung Fu, chinês valente, homem pra chuchu. Mas não importa, afinal, carnaval é um bando de dedo pra cima, fantasiado de turista. Samba, samba mesmo, é de outros carnavais.

O the best do tempestuoso carnaval curitibano não é música, batuque, dança, alegoria e, sim, o glorioso nome de uma escola: Acadêmicos da Sapolândia, no qual as sílabas pulam animadamente. O solitário sambista que ecoou de Curitiba é tão inédito que nem nós, que somos nós, (re)conhecemos o Lápis ou honramos o suficiente o Paulo Vitola.

Luiz Carlos Paraná fez nascer Maria quando a folia, mas as mocinhas da cidade pensam que é filha do Roberto Carlos. Fazer o que, se é aqui “onde moro que me sinto bem”?

Pois somente aqui, “onde ela mora”, e “a avenida tem fim” demora essa sonoridade:

“eu nunca tive pinta de eunuco
nem de voyeur do teu balacobaco
meu passarinho saiu do teu relógio cuco
você deixou meu coração batendo fraco”.

Pra terminar, uma pergunta: ouvidos novos ouvem ou veem os sons que vêm e botam ovos?

*Texto escrito originalmente para o encarte de um CD do Maxixe Machine, que contém a trilha sonora do filme Barbabel. Quem ainda não conhece o Barbabel, corra, tem no youtube.

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