6:19NELSON PADRELLA

DIÁRIO DA PANDEMIA

Guardo uma série de frases inadequadas para usar um dia, quando o país voltar a ter dias e sair desta noite amarga que nos cobre. Para quando o país voltar a ser uma nação. Tem uma frase assim: Ter a caneta não é ter o Poder porque canetas mudam de mão como a meretriz muda de endereço. A frase até é bonita, mas beleza não põe mesa. Em Barcelona, onde tomava meu café num barzinho simpático, vi um azulejo pendurado na parede, e ele dizia: Hace un dia hermoso; verás que viene uno y lo fode. Consta nessa coleção a frase Tiozinho manda, eu obedeço, que achei meio sem sentido e joguei no lixo da História. Sempre me emocionei com o Eu não posso fazer nada, proferida num momento de insensatez, e que não condizia com a realidade. Seu autor dizia que não podia fazer nada, mas a frase apontava justamente para o contrário: Ele podia, sim, fazer nada. E foi o que fez. Nada. Nadava-se muito naquela piscina do Palácio. Há muitas outras fases inadequadas que compilei – seja lá o que isso signifique – durante o tempo que me foi concedido. Mas essas citavam o falo de maneira debochada, misturavam a mãe na jogada, tipo coisa de piá lazarento, tudo isso enquanto passava a boiada.

Filme: E LA NAVE VA, de Federico Fellini, com vários atores anônimos, porém, bastante conhecidos. Traduzida pela o Português por “E a Boiada Vai Passando”, conta a história de reunião palaciana onde foram empregados termos que fariam corar as meninas da Rua Riachuelo.

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