por Laércio Souto Maior, publicado no Maringá News
Fotografia de presos políticos paranaenses, encarcerados no Presídio do Ahú, na cidade de Curitiba. Da esquerda para a direita, Laércio Souto Maior, João Alberto Einecke, Ceslau Raul Karniewski e Pedro Agostinetti Preto, pai do atual secretario da Saúde do Estado do Paraná, Beto Preto
Mês de abril de 2020. Na véspera do enfrentamento do pico da mortífera epidemia do Coronavírus, Covid-19, somos bombardeados pela mídia dia e noite, com o mantra da obrigatoriedade do confinamento da população em suas casas como única arma para conter a disseminação do maldito vírus, latego de um castigo que o heroico povo brasileiro não merece, mas tem de enfrentar e vencer.
Há poucos dias li dois excelentes textos, um do Frei Betto e outro do Vitório Sorotiuk, informando como eles enfrentaram na prisão política o isolamento e como bravamente resistiram.
Na mesma linha vou escrever sobre os períodos em que fui preso político e como me comportei no confinamento. Antes, como historiador, vou fazer um pequeno relato contextualizando a época descrita.
Vivíamos os terríveis e perigosos dias da Guerra Fria onde, como protetorado dos EUA, o regime militar implantado no dia 1º de abril de 1964 obedeceu as ordens do Império norte americano e dominou com mão de ferro a nação brasileira.
Na primeira fase, 1964–1974, pequenos destacamentos guerrilheiros com seus estandartes tremulando erroneamente deflagaram uma luta armada desigual fadada desde o início à derrota. Resultado do erro estratégico: a fina flor da juventude brasileira foi presa, torturada e morta por um inimigo implacável.
Na segunda fase, 1974–1985, novamente recebendo ordens do Pentágono, os militares acionaram uma lenta e gradual abertura que desembocou na entrega do poder para os civis em 1985. Vinte e um anos tinha se passado desde o golpe militar de 1964. Mas, vamos ao que me propus. Por três vezes cai prisioneiro em ações desencadeadas pelos órgãos de repressão da Ditadura Militar (Dops e DOI-Codi), nas cidades de Maringá, Apucarana e Curitiba.
Posso dizer que nas celas onde fiquei detido por quase um ano minha maior preocupação era manter alta a moral, nunca me abatendo ou desanimando, sem achar que tinha chegado ao fim a minha trajetória de revolucionário. Desde a chegada aos locais em que fiquei prisioneiro, passada a fase dura dos interrogatórios inquisitoriais, procurei caminhar todos os dias, seja nas pequenas celas ou no vasto espaço onde fiquei alojado sob o comando do Coletivo dos Presos Políticos do Presídio do Ahú, na capital paranaense.P ara manter a saúde física e mental, evitando as neuroses da prisão que abatiam nossos companheiros mais frágeis, a direção do Coletivo dos Presos Políticos estimulava todos os prisioneiros a cumprir a seguinte rotina:
- Caminhadas diárias
- Em pequenos grupos, fazíamos ginástica
- Tomávamos banhos diários
- Bebíamos no mínimo dois litros de água
- Gostando ou não dos temperos, nos alimentávamos bem.
Por fim, muita leitura. No meu caso lia muito, quase sem parar, aproveitando a sorte do nosso alojamento abrigar a Biblioteca do Ahú, onde aliás li pela primeira vez o livro “Minha Luta”, escrito pelo ditador nazista, Adolfo Hitler. À noite, tínhamos o Ciclo de Palestras onde os companheiros eram convocados pela direção do Coletivo dos Presos Políticos a proferirem palestras com temas políticos ou sobre episódios marcantes das suas vidas. Esse meu período de prisão durante a Operação Marumbi findou em 1976. No dia 28 de agosto de 1979, o general João Batista Figueiredo assinou a Lei de Anistia decretando o fim da ditadura militar. Sou, com mais 300 companheiros de todo o Brasil, um dos anistiados da última lei de anistia brasileira.
Aos 81 anos sigo firme, pronto para resistir a mais um confinamento.