DIÁRIO DA PANDEMIA
Eu morava no Egito no tempo da grande peste. Não se podia confiar em ninguém. Você confiava numa pessoa, ia ver, era gafanhoto. Os insetos começaram a tomar conta de tudo. Tomaram os campos e as cidades, as escolas e os quartéis, praças e ruas. Onde você olhava tinha gafanhoto. Ir embora dali você não podia. Sempre que revistavam tua bagagem no aeroporto davam um jeito de encontrar gafanhoto nos bolsos. E você ia preso por contrabandear produto nacional. Não podia faltar ao trabalho; se pulasse era considerado gafanhoto. Pular cerca também era crime: Jesus não curte. Casou com a mulher errada, bem feito. Agora aguente. Qualquer pulinho, não precisava nem ser tipo olímpico, te tachavam de gafanhoto comunista. A única coisa que podia combater os gafanhotos era batatinha frita. Mas tinha que ser fritada pelo fritador credenciado, diplomado pela Universidade de Almôndegas Maduras. Tinha também o leite derramado. Quando sobrava. E não sobrava nunca porque o cacique Bocaporca enchia a piscina duas vezes por dia e se deleitava e se desnatava naquele leito de leite. Chiclete também podia conter a pandemia. Se duvidar, croroquinhas também ajudava barbaridade. Isso quando sobrava croroquinha, que aquela ema do palácio era uma esganada que não podia ver o petisco que já se candidatava.
Filme: A HORA E A VEZ DE AUGUSTO MATRAGA (Um filme de Roberto Santos, baseado (epa!) num conto de Guimarães Rosa. Com Leonardo Vilar, Maria Ribeiro e Maurício do Vale). A emocionante saga de um brasileiro que conseguiu ser vacinado quando chegou seu dia D à Zero hora
Os tempos não mudaram, ainda não se pode confiar em ninguém.