por Elio Gaspari
Para o bem ou para o mal, o general Mourão tem sido um fiel comandado do capitão
Por estranho que pareça, o grito de guerra “Fora, Bolsonaro” é falta de agenda, como era falta de agenda o “Fora, Temer”. O governo do capitão é desastroso no varejo e no atacado. Diante de uma pandemia todas as suas ideias e iniciativas estavam erradas. Sua “nova política” aninhou-se no centrão, o Brasil virou um pária. A tragédia do Amazonas mostrou que o pelotão palaciano gosta de ficar zangado, com João Doria, com a Pfizer, com a China e com quem disser que eles não sabem trabalhar. Mesmo assim, o capitão chegou ao Planalto pela vontade de 57,8 milhões de eleitores, e a Constituição diz que pode ficar lá até o dia 1º de janeiro de 2023.
O grito de “Fora, Bolsonaro” é falta de agenda porque não tem base nem propósito. Não tem base parlamentar, a isso foi informado pela senadora Simone Tebet. Não tem base popular porque 28% dos entrevistados pelo Datafolha ainda acham que ele está fazendo o certo no combate à Covid. Sua popularidade está derretendo. O capitão é rejeitado por 40%, mas ainda tem o apoio de 31%. Admitindo-se que a velocidade desse desgaste prossiga, em um mês ele ainda terá 25% de admiradores.
No mundo dos sonhos de quem grita “Fora, Bolsonaro”, se ele for embora as coisas melhoram. Se isso acontecer, para a cadeira vai o general Hamilton Mourão. Ele é um vice singular. Nada tem a ver com seus antecessores que foram catapultados à cadeira de presidente. Michel Temer e Itamar Franco tinham identidades políticas. Mourão é apenas vinho da mesma pipa da safra de 2018. Foi escolhido numa reunião matutina porque o príncipe de Orleans e Bragança achou que ainda se vivia no Império. Itamar fez discretos acenos à oposição. Temer chegou a anunciar um plano de governo. Para o bem ou para o mal, o general tem sido um fiel comandado do capitão.
Itamar e Temer mudaram o curso das administrações de Fernando Collor e de Dilma Rousseff. Ganha uma fritada de morcego do mercado de Wuhan quem for capaz de desenhar mudanças possíveis com Mourão.
Admita-se que elas podem acontecer. Aconteceram em 1946, quando elegeu-se presidente o general germanófilo Eurico Dutra, um marquês da ditadura de Getúlio Vargas. Em primeiro lugar, Dutra elegeu-se.
Além disso, empalmou a essência da plataforma da oposição democrática. Se o “Fora, Bolsonaro” tivesse propostas além do “Fora”, o grito de guerra teria um conteúdo. Não só ele lhe falta, como a oposição ao presidente ainda não tem propósito. Olhando-se para o fim da ditadura, vê-se que Tancredo Neves encarnava uma proposta.
Bolsonaro meteu o andar de cima e suas Forças Armadas na ruína que hoje está personificada no general Eduardo Pazuello. Ele foi para o lugar de Luiz Henrique Mandetta, que tinha um plano, e de Nelson Teich, que não cumpria ordens de leigos. A pandemia era uma “gripezinha” que em dezembro estava no “finalzinho”, pois a segunda onda era uma “conversinha”.
O capitão ainda tem quase dois anos de mandato e sua capacidade de produzir crises desnecessárias é infinita. Como disse o senador Tasso Jereissati, será preciso “trincar os dentes” para atravessá-los. O “Fora, Bolsonaro” exige um apenso: “Para quê?”.
Pelo andar da carruagem, essa pergunta precisa entrar na agenda. Ela poderá ser respondida no ano que vem.
*Publicado na Folha de S.Paulo