Entraram pela janela da sala. Durante anos. Nasci ali, naquela casa de fundos. Vila. Entraram porque ao lado tinha uma tela grande. Cinema. Ali eles eram projetados para a vida de todos nós. Os meninos da matinê de domingo. O projetor era desligado na última sessão, mas eles não sumiam. Saíam em busca de novas aventuras, romances, dramas, tiroteios, para assustar, enfim… E o lugar mais próximo para começar era a minha casa. Durante a noite me olhavam no berço. Protegiam. Entravam no meu sono. Sabiam que ali estava alguém que quase morreu pouco depois de nascer – e que houve um batismo às pressas. Milagre? Imagino que viram a cena. Nunca mais saíram. Povoando uma alma. Ensinando que a vida tem de tudo. Porque em casa tinha aquela janela.
Eu sempre desconfiei disso. Eles sempre por aí, soltos no mundo de quem teve de aprender a ver.
Nas retrospectivas de nossas vidas vemos vultos,me lembro dos furos no teto de zinco,da casinha parede meia que quando chovia virava barro o chão batido.
Os fantasmas romperiam a taramela a qualquer momento para adentar e levar minha mãe e irmanzinha.
O caminho percorrido até aqui teve muito espinho e poucas flores e nesse ano tão difícil estamos ainda aqui para testemunhar e até falar de alguma coisa de nós,como um confessionário onde tentamos nos redimir dos pecados.