DIÁRIO DA PANDEMIA
*A vaca entrou no meu apartamento, sentou na minha cama: “Vim preencher a ficha”. Até foi Jolim que me tirou as palavras da boca: “Que ficha, rapaz?” A vaca respondeu, desprezando meu pet e olhando firme nos meus olhos: “A ficha de arrependimento. Vim bem cedo porque a fila lá fora já está grande”. Falava como se eu estivesse entendendo alguma coisa. Daí, começou a chorar, dizia que não queria mais ser gado, e até foi Jolim que, de novo, me tirou as palavras da boca: “Você escolheu ser gado, Maria Helena, vai ficar vaca até galinha criar dente”. A resposta da menina: “Disso eu sei, mas agora sou vaca e burra, eu vou mugir e acabo zurrando”. Jolim foi logo cortando o papo. Disse que “isso acontece nas melhores famílias”. E a vaca: “É, mas toda vez que ouço o nome daquele menino não resisto e ponho-me a gritar “Mito! Mito”. Em língua zurra”.
*Não contei, mas conto agora. Jolim voltou. Disse um oi qualquer e veio até o quarto onde me encontrava. Eu disse: “E aí, rapaz, passeou bastante?” E ele contou: “Estive em Palácio. O senador Alcaxóforas disse a um colega, em voz alta o suficiente para ser ouvida por metade do planeta: Nossa luta continua na cama. Não curto briga na cama. Ali é só paz e amor. Até achei bem estranho que dois senhores de cabelo branco na cabeça, e possivelmente não só na cabeça, estivessem se prometendo essas coisas em público. Pensei, pensei e aí entendi que o senador tinha dito Câmara. Mesmo assim, ao cruzar com a autoridade no elevador, não me contive: O senhor, hein! Quem não te conhece que te compre. Estou saindo agora da cana”.
Filme: O QUE É ISSO, COMPANHEIRO? (Alan Arkin, Pedro Cardoso, Fernanda Torres; direção de Bruno Barreto) – Conta a história do Lula respondendo convite feito pelo Dória para os dois tomarem a vacina juntos