11:09Sapatos de Auschwitz

por Nelson Padrella

Sapatos de Auschwitz, por onde terão andado enquanto seus donos, vivos, carregavam nos pés a necessária couraça? Aqui, um calçado austero. Pertenceu a um rapaz que amava uma polaca que tinha sonho em casar. Este outro é de um atleta. Nadava no frio Varta, colecionando as medalhas que já sonhava em ganhar (não fosse o sonho cortado). Ali, o dourado salto de um sapato de senhora. Dançou em salões de baile com o noivo amante marido da dona que o tinha aos pés. Acompanhou cada sonho da noiva, amante, senhora. Que fim levaram esses sonhos? Sapatos de Auschwitz, que chãos terão pisado, em quantos bailes dançado, quantos desfiles marchado? Se falavam entre si naqueles tempos distantes diziam de amor e paz, de trabalho, de esperança, de todo sonho a sonhar. Agora, silenciosos, deixam de matraquear por ser muito triste a história que teriam a nos contar. Descansam atrás da vitrine como um Titanic tombado nas profundezas do mar. Se pudessem ver com estes olhos que podemos, veriam em nós o espanto que nos causam eles, ali, guardados como joias da perversidade.

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