6:34Fritada de morcego no menu

por Elio Gaspari

Ganha uma quem for capaz de mencionar uma fala de Bolsonaro que tenha contribuído para o bem-estar da saúde nacional na pandemia

Ganha uma fritada de morcego do mercado chinês de Wuhan quem for capaz de mencionar uma só fala de Jair Bolsonaro que tenha contribuído para o bem-estar da saúde nacional desde o começo da pandemia do coronavírus.

Mesmo quando ele fez um arremedo de conserto, dizendo que, “se algum de nós extrapolou ou até exagerou, foi no afã de buscar solução”, estava iludindo a boa-fé do público. Um dia antes ele havia dito que “não vou tomar a vacina e ponto final”.

“gripezinha” e a cloroquina tornaram-se símbolos do amargo folclore do capitão. A eles juntam-se outros, como o estímulo ao desmatamento, as “rachadinhas” de Fabrício Queiroz e o orgulho de seu chanceler ser um “pária” no cenário internacional. Nunca na História do Brasil o trem parou e o maquinista queria andar para trás. Ele parava, mas se discutia quando voltaria a andar para a frente.

Há em Bolsonaro uma perigosa mistura de ignorância pessoal com autoritarismo político. Ele pode ter acreditado na gripezinha ou mesmo nos efeitos milagrosos da cloroquina. Chamou a possibilidade de segunda onda de “conversinha”, e na quinta-feira (17) voltou-se ao registro de mil mortes por dia. Talvez tenha apenas apostado, mas nesse caso estaria apenas exercitando a ignorância de outra maneira. O perigo mora na mistura com o mandonismo.

Bolsonaro irradiou esse comportamento pela sua administração, produzindo apenas uma bagunça arrogante. Por exemplo: em outubro o general-ministro Eduardo Pazuello disse que “a vacina do Butantan será a vacina do Brasil”. No dia seguinte, Bolsonaro acordou cedo e respondeu no Facebook que a vacina “NÃO SERÁ COMPRADA”. Como se viu, será comprada e oferecida, pois o capitão ficou preso num cadeado do governador João Doria.

O general Pazuello disse a parlamentares: “Não falem mais em isolamento social”. Pensou que falava a uma plateia de tenentes. Ele perguntou “para que essa ansiedade, essa angústia?” e depois explicou que sua frase foi tirada do contexto, desculpando-se. É o caso de se perguntar qual medicação está tomando desde que teve alta da Covid.

Já um diplomata de carreira designado para embaixada junto à Organização das Nações Unidas em Genebra recusou-se a responder a uma pergunta da senadora Kátia Abreu dizendo que não estava “mandatado” para isso. Tomou um contravapor do senador Major Olimpio e perdeu o cargo. Foi rejeitado por 37 votos contra 9. (Afora o mau português, podia ter respondido de outra forma, mesmo sem dizer nada.)

Trabalhando com um chanceler que se orgulha de ser “pária”, o embaixador levou a excentricidade para o lugar errado. A pandemia expôs a bagunça diante de uma dificuldade que daqui a pouco terá matado 200 mil pessoas. Os brasileiros ligam as televisões e veem cenas de imunização nos Estados Unidos, França, Inglaterra e Arábia Saudita. Como lembrou Fernando Gabeira, só em Pindorama a vacinação virou tema de debate.

*Publicado na Folha de S.Paulo

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