DIÁRIO DA PANDEMIA

(*) Arriscando a própria vida, a vizinha que tem o bebê-cabrito, sim, essa que quer ler jornal às minhas custas, tomou vergonha na cara e decidiu levar o pet a passear. No meu tempo se dizia cachorro. Agora se diz pet. Seja lá o que isso signifique. Quando ela olhou para cima, me viu abrindo o mais que pude meu jornal e fazer como se estivesse lendo. Percebi que ela babou pelo periódico. O cachorro, por outro lado, mijou ali mesmo.

(*) Essa, agora! O capitão do ofurô bateu na minha porta para me emprestar solidariedade. “Estou aqui para lhe emprestar minha solidariedade” – foi o que me disse. Não deixei entrar porque estava sem burka. Foi atendido na porta mesmo. Ele lá, eu cá, dois metros regulamentares. Apanhado de surpresa, confessei-lhe que não sabia o que fazer com o empréstimo, se eu teria data para devolver, se haveria cobrança de juros. Riu, pensando tratar-se de um chiste. Ofereceu o cotovelo à guisa de mão e disse: “Aparício Bortollazzi, mas pode me chamar de Nêne”. Olhei para a burka que ele não vestia e disse: “Çei”.

(*) Estava aqui pensando com os meus botões a respeito da pólvora de que nos falou Bolsonaro. Lembro muito bem dessa peste. Tinha um monte desses mosquitos no Marumbi. A gente chamava de “pórva”, de “mosquito porvinha”. A gente chamava é maneira de dizer, que não precisava chamar que os bandidinhos apareciam sem convite. Parece que estou até vendo: Os americanos invadindo nossas praias e nosso comandante estumando os porvinha contra os invasores. Mas mosquito você sabe como é: quando pica não olha a quem e sai por aí mordendo gregos e baianos.

FILME: PELO VALE DAS SOMBRAS – A história de um país que escolheu caminhar na direção da escuridão.