DIÁRIO DA PANDEMIA
(*) A vizinha do cachorro-sem-jornal reuniu uma porção de condôminos fêmeas, todas elas burkadas, portando cartazes com os seguintes dizeres: 1) Cachorro precisa de jornal; 2) Divida seus jornais já lidos: e 3) Fora Collor. Me pareceu ver uma bandeirinha do PT na mão de um ser burkado. Passei a noite picotando jornais. Quando as grevistas voltaram no dia seguinte, porque o que é ruim sempre volta, fiz chover confete em cima do movimento paredista. “Toma aqui seus jornais”. Recolheram seus estandartes, a bandeirinha do PT foi a última a ir embora. Depois me bateu um remorso. Acho que fui mau.
(*) Há quanto tempo não praticava jogos inter paredes com os confinados! Inventei este: o jogador faz um gesto ou assume uma posição e avisa ao jogador que está do outro lado da parede: “o que é que estou fazendo?” E o cara tem que adivinhar. Tipo: “Está imitando uma formiga saúva orando aos deuses”, “está vestindo o sutiã que roubou nas Lojas Americanas”, “está sentado em cima de um busto de Beethoven”. É fácil. Como fui eu que inventei, me compete abrir o jogo: “Está pronto, vizinho? Me diga o que é que estou fazendo? A resposta: “Enchendo o meu saco!”.
(*) Agora dei uma de reverenciar os mortos. Fui de tumba em tumba, contrito, lembrando cada uma daquelas pessoas que foram levadas de mim. Aqui está o túmulo daquela que dá-se à criação de ovinos, que ela chama de filhos. E tem um cachorro que lê meus jornais. Isso se eu facilitasse. Aqui está o sarcófago daqueles dois que quando respiram me dá a impressão que são três respirando. E estão sempre respirando, os safadinhos. Agora estou diante da porta onde atrás dela repousa a padeira, Dona Mia, fabricante dos famosos pães de Mia. Este outro é o apartamento do casal de texugos, u-lá-lá, parece que temos festa na alcova. Termina diante de minha porta a procissão de um só. Retorno, pé ante pé, ao meu catre.
FILME: DOIS PAPAS: A história de um Chefe de Estado que não quer largar o osso.