7:12ELZA SOARES

Um dia descobri que cantava
O meu filho mais velho João Carlos estava morrendo e eu já tinha perdido 2 filhos e não queria perder mais um.
Eu não tinha dinheiro pra cuidar do meu filho e ouvi no rádio que o programa do Ary Barroso de calouros Nota 5, estava com o prêmio acumulado. Não sei como, mas eu sabia que ia buscar esse prêmio!
Fiz a inscrição e me avisaram que eu precisava ir bonita. Mas eu não tinha roupa nem sapatos, não tinha nada! Então, eu peguei uma roupa da minha mãe, que pesava 60kg e vesti, só que eu pesava 32kg, já viu ne? Ajustei com alfinetes.
Tudo bem que agora é moda ne? Hoje até a Madonna usa, mas essa moda aí fui eu que comecei viu? Alfinetes na roupa é muito meu, é coisa de Elza!
No pé coloquei uma sandália que a gente chamava de “mamãe tô na merda”, e fui!
Quando me chamaram, levantei e entrei no palco do auditório. O auditório tava lotado, todo mundo começou a rir alto debochando de mim
Seu Ary me chamou e perguntou:
_ O que você veio fazer aqui?
_ Eu vim Cantar!
_ Me diz uma coisa, de que planeta você veio?
_ Do mesmo planeta seu Seu Ary.
_ E qual é o meu planeta?
_ PLANETA FOME!
Ali, todo mundo que estava rindo viu que a coisa era séria e sentaram bem quietinhos.
Cantei a música “Lama”.
O Gongo não soou e eu ganhei, levei o prêmio e meu filho está vivo até hoje, graças a Deus!
De lá pra cá, sempre levo comigo um Alfinete.
Naquela época eu achava que se tivesse alimentos pros meus filhos, não teria mais fome.
O tempo passou e eu continuei com fome, fome de cultura, de dignidade, de educação, de igualdade e muito mais, percebo que a fome só muda de cara, mas não tem fim.
Há sempre um vazio que a gente não consegue preencher e talvez seja essa mesma a razão da nossa existência.

*Elza Soares completou 90 anos no dia 23 de junho

Uma ideia sobre “ELZA SOARES

  1. Parreiras Rodrigues

    Adoro essa mulher. Fiz matéria com ela para o meu jornal Farol dos Bairros quando ela veio cantar no antigo Calamengau do agitador cultural Ceará, nascido Maérlio, ali no Clube Vasco da Gama, na esquina da Tapajós com a Roberto Barroso. Foi em maio de 2003.No final da matéria, escrevi: “Chorou e riu. Chorou as injustiças sofridas na pele – literalmente e riu como quem ri quando se dá a volta por cima”.

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