por Paulo Roberto Ferreira Motta
Outra história do Arthur: Na primeira vez que veio a Curitiba ficou hospedado num hotel da Comendador Araújo, que existe até hoje. No restaurante, viu uma loira estonteante e ficou morrendo de tesão. Para fazer a corte, chamou o maitre, encomendou uma garrafa de champanha para ser entregue à moça, com um cartão, dizendo que estava hospedado no 201. A loira recebeu a surpresa, escreveu no mesmo cartão, dizendo que era executiva de São Paulo e uma mulher casada. Agradecia, coisa e tal, mas terminava dizendo não estar interessada. Terminado o jantar, passou na mesa do Arthur e, sem sorrir, agradeceu o mimo. O Arthur terminou o repasto, foi convidado pelo maitre a dar uma canja no piano do bar. Ao chegar lá, deu de cara com a loira. Chamou o garçom e pediu que ele fosse até a loira para que ela escolhesse uma música. O garçom voltou e disse que a senhora fulano de tal tinha escolhido o Bolero de Ravel. Arthur se entusiasmou, já sabia o nome do tesão. Não se fez de rogado e por 17 longos minutos executou, sem partitura, a referida peça.
Terminada a execução, a loira passou pelo Arthur, agradeceu mais uma vez, e subiu para o apartamento. Moreira Lima esperou longa meia hora, foi na recepção e, com uma nota de 50 na mão, perguntou ao atendente qual o número do apartamento da senhora fulano de tal. O atendente pegou a nota discretamente, enfiou no bolso e disse: 803.
Arthur pegou o elevador e bateu no 803. A loira, já de penhoar, abriu uma fresta da porta e quando viu o Moreira Lima lascou: “Meu senhor, já vi que é insistente. Caso consiga trazer um piano para o meu quarto e executar o Bolero de Ravel só prá mim, eu dou! O problema agora é seu!”
Moreira Lima desceu o foi na recepção. Pediu para falar com o gerente. O mesmo, solícito, perguntou o que ele desejava. Arthur disse: “Preciso que o senhor pegue o piano do bar e leve para o 803!”. O gerente, dando risada, respondeu: “Meu senhor, o piano não passa pela porta do elevador, é de cauda. Teríamos que contratar uma empresa com guindaste. Sairia uma fortuna e nessa hora nenhuma está aberta. Além do mais, tenho dúvida de que o piano passe pela janela dos nossos apartamentos. Seu pedido é impossível!”
Arthur Moreira Lima entrou em desespero e para sossegar o facho saiu prá rua e começou a andar a esmo por mais ou menos uma hora. Voltando pro hotel, enxergou a Brincalhão, uma loja de brinquedos que ficava na frente do hotel. Foi até a vitrine e ficou entusiasmado com o que viu: um pianinho azul de criança, marca Hering, que o Arthur sabia que executava todo o dó-ré-mi-fá-sol-lá-sí. Voltou à recepção e perguntou a que horas a Brincalhão abria. Recebeu a resposta de que às 8. Foi pro piano bar, pediu um bule de café preto bem forte, para espantar o sono, e ficou tocando o Bolero de Ravel até quase às 8 da matina.
7:55 estava na frente da loja. As 8:05, bateu na porta do 803. A loira, depois de um tempo para se recompor do sono, abriu e quando viu o Arthur com o pianinho na mão, caiu na risada, e mandou o Moreira Lima entrar. Disse que estava com fome, mandou pedir café da manhã para dois. Alimentados, a loira deitou na cama e disse ao Arthur: “Toca o Bolero até o fim!”. Moreira Lima não teve dificuldade nenhuma e tocou a peça inteira. Aí quem ficou com tesão foi a loira, arrancou a roupa do Arthur e foram prá cama.
Passaram o dia e a madrugada do dia seguinte trancafiados no 803. Pediram o almoço, o lanche da tarde e o jantar no quatro. Os hóspedes do hotel foram brindados com mais 12 vezes de Bolero de Ravel.
Na viagem o Arthur, ou Fluminense, como queiram, me disse que tinha um sonho de fazer um recital em Chopinzinho. Disse a ele que o nome da cidade era por causa do pássaro. Ele respondeu que não importava e pediu que eu desse uma sondada com o pessoal da cidade. Na volta a Curitiba, pedi informações com a Coordenadoria de Ação Cultural da Secretaria da Cultura. Responderam que a cidade tinha uma Secretaria Municipal de Educação e Cultura. Liguei e pedi para falar com o(a) Secretário(a). Atendeu uma senhora, muito solícita, professora, que era a responsável pela pasta. Contei a história. No início, ela não entendeu nada, expliquei então, clamando a Deus por paciência, que eram Chopin, Arthur Moreira Lima e a vontade dele de fazer um concerto na cidade. Ela disse que no auditório do colégio das Irmãs havia um piano e que iria falar com o prefeito. Afirmou que antes das cinco da tarde me dava uma resposta. Estou esperando a resposta até hoje.
Arthur Moreira Lima, aos 80 anos, continua na estrada, literalmente, até hoje. Tem um caminhão que se transforma em palco e roda por todo o Brasil. Numa vez, no Costão do Santinho, onde passava um feriadão com a minha esposa, vi o caminhão no estacionamento e perguntei na portaria se haveria um concerto marcado. Disseram que naquela noite, na praça da frente do hotel, Moreira Lima se apresentaria, com entrada franca, a Prefeitura de Florianópolis estava bancando o concerto. Foi espetacular. Atacou de Chopin a Ernesto Nazareth. De Tchaikovsky a Pixinguinha. De Liszt a Ney Matogrosso. No final, pensei em ir falar com o Arthur. No meio do caminho, desisti. Fiquei com medo que ele se lembrasse e me cobrasse pela apresentação em Chopinzinho.
P.S. – O curitibaníssimo violinista Gustavo Surgik, filho do meu saudoso professor de direito romano Aloísio Surgik, de quem depois tive a honra de ser colega de magistério, passou pelo Tchaikovsky e foi devidamente medalhado. Até tempos atrás, era e penso que ainda seja, Konzertmeister des Staatsorchesters Stuttgart e Konzertmeister im Orchester der Ludwigsburger Festspiele. Há uns dois anos, apresentou-se como solista da Orquestra Sinfônica do Paraná. Foi um concerto memorável.