por Tati Bernardi
Deveríamos encher o peito e falar arrumei um mais ou menão!, e as amigas suspirariam
Quando eu tinha meus 20 anos, confesso que ficava deslumbrada com homens que aparentavam ter personalidade muito forte. Aqueles que roubam a cena em apresentações importantes de trabalho ou em happy hours após um dia tenso. Engraçados, expressivos, prósperos. Pensava, em uma fantasia típica de quem sempre teve um pai frágil perante uma mãe potente, que um Homem com H maiúsculo finalmente me resgataria do meu aprisionamento infantil.
Acontece que namorei alguns e, pelo amor de Deus: machistas, mulherengos, vaidosos demais e, o pior de tudo, chatos pra cacete.
Eu não era feminina e delicada o suficiente; eu insistia em ser mais engraçada e debochada do que eles; eu jamais deveria ter aquele passado tão terrível com ex-casos que o conheciam. Uma obsessão com unhas feitas e vaginas depiladas. O fato de que eu gostava mais de pensar e ganhar dinheiro do que de obedecer e malhar a bunda era de fato uma questão —ainda que eles achassem charmoso que eu levasse meus livrinhos para a praia.
E a grande pergunta que todos eles faziam —que me levava a enxergá-los sempre brochas apesar do desfile nu que promoviam, embevecidos com o próprio vigor— era: por que é que eu escrevia e falava tudo o que me dava na telha? Em 98% dos casos, acabaram se casando com moças muito bonitas e que fingiam refinamento, daquele tipo que se a gente puxa um papinho um pouco menos trivial dá uma leve vontade de falecer.
Enojada e exaurida dessa turma, passei então a almejar o rapaz muito sensível. Aquele que chora transando. O que ainda não deu certo, mas uma hora, se a vida e o mundo pararem de levantar muros intransponíveis a tamanho talento e aptidão artística, talvez, quem sabe, ele pudesse descobrir para o que mais servia além de arriscar peças de teatro para três pessoas, cantigas ao violão para dois amigos bêbados e poesias ruins em homenagem ao nada. Se a lâmpada queimasse, viviam no escuro. Se o chuveiro pifasse, viviam na sujeira. Se o aluguel vencesse, viviam almoçando na casa da avó, que insistia: “Precisa arrumar alguém que cuide de você”. E eles me arrumavam. E eu cuidava. Até que eu começava a sonhar que enterrava meu cotovelo pontudo no fundo dos seus olhos e eles precisavam correr pra longe. E acordava excitadíssima.
Eis que, aos 40, percebo que o maior medo de uma mulher em busca de um parceiro amoroso deveria ser, na verdade, seu único foco: o homem mais ou menos. Deveríamos encher o peito e falar “arrumei um ‘mais ou menão’!”, e as amigas suspirariam invejosas.
É aquele cara que não vai resolver os seus problemas (nem os próprios); que vai ser infantil, sim, porque tinha alguma coisa na água das mães da década de 80; que tá longe de silenciar plateias com suas aparições teatrais de todo-poderoso; mas que, parem tudo: não vai encher a caralha do saco da mulher do pós-pós-pós feminismo pedindo que ela seja um troféu silenciado.
É aquele cara que não vai assistir aos seriados românticos com você e depois ficar até cinco da manhã conversando profundamente sobre a angústia existencial da humanidade como um todo. Mas se a sua filha escorregar na piscina infantil e você gritar “socorro, meu Deus, e agora?”, vai rir da sua cara. Ufa! São normais! São médios! Não são nem mais e nem menos e, por isso, são mais ou menos. Não querem ser donos do mundo, tampouco rascunham poemas inglórios sobre uma alma aprisionada em um capacho. Racham contas, olham mais para o celular do que para os seus olhos… mas estão dispostos a lutar, mesmo cansados, contra o tédio cruel de uma relação longa. Não é fácil abrir mão do espetaculoso, mas a gente envelhece.
*Publicado na Folha de S.Paulo