por Flavia Boggio
Assistir a ‘O Dilema das Redes’ foi como tomar a pílula vermelha de ‘Matrix’, e ela decidiu que mudaria a sua vida
Logo que entraram os créditos, ela decidiu que mudaria a sua vida. Assistir ao documentário “O Dilema das Redes” foi como tomar a pílula vermelha do filme “Matrix”. Estava tudo claro. Ela era manipulada por inteligência artificial e precisava se libertar.
Não era a primeira vez que um documentário a impactava daquela maneira. Aconteceu o mesmo quando viu “Super Size Me” e decidiu parar de comer McDonald’s. Ou quando virou vegana depois de assistir à “Dieta de Gladiadores”.
Mas “O Dilema das Redes” foi um tapa na cara de seu selfie com filtro embelezador. Como foi ingênua em acreditar que o Google era só uma ferramenta de busca? Ou que o Facebook não serve só para ajudar a reencontrar amigos do colégio?
Será que tudo o que fez nos últimos anos foi influenciado por algoritmos? A viagem a Campos do Jordão, onde conheceu o marido, com quem teve filhos, foi porque viu, no Instagram, Grazi Massafera por lá? Seria toda a sua vida fruto das decisões de Mark Zuckerberg?
Ela estava decidida a se libertar. Nunca mais seria manipulada pelos algoritmos.
Seguiu a recomendação do documentário e desabilitou as notificações do celular. Mas não era o suficiente. Ainda gastava horas vendo stories do Instagram.
Saiu de todas as redes sociais. Também não era o suficiente. Continuava no WhatsApp por horas discutindo a volta às aulas no grupo de mães. Zuckerberg poderia rastreá-la por lá.
Passou a falar apenas por telefone. Se bem que os algoritmos também escutam ligações. Decidiu que só iria conversar pessoalmente. Mas poderia ser escutada por satélites.
Fugiu para o meio do mato, longe dos algoritmos e da manipulação digital.
Para não acessar sites de imóveis e ser rastreada, construiu sua própria casa. Passou a plantar seu alimento e costurar suas roupas, para não usar o cartão de crédito.
Instalou painéis solares e cisternas de reaproveitamento de chuva, assim seus hábitos não seriam espionados e manipulados.
Finalmente tinha se tornado dona de suas decisões e de sua vida. Até que bateu um vazio. De que adiantou construir aquilo tudo, se não poderia mostrar para seus seguidores?
Pegou o primeiro ônibus de volta para a cidade. Grandes merdas, pensou ela.
Ligou o celular e voltou para a matrix.
*Publicado na Folha de S.Paulo