11:09Do que vale ser dona de suas decisões, sem poder mostrar aos seguidores?

por Flavia Boggio

Assistir a ‘O Dilema das Redes’ foi como tomar a pílula vermelha de ‘Matrix’, e ela decidiu que mudaria a sua vida

Logo que entraram os créditos, ela decidiu que mudaria a sua vida. Assistir ao documentário “O Dilema das Redes” foi como tomar a pílula vermelha do filme “Matrix”. Estava tudo claro. Ela era manipulada por inteligência artificial e precisava se libertar.

Não era a primeira vez que um documentário a impactava daquela maneira. Aconteceu o mesmo quando viu “Super Size Me” e decidiu parar de comer McDonald’s. Ou quando virou vegana depois de assistir à “Dieta de Gladiadores”.

Mas “O Dilema das Redes” foi um tapa na cara de seu selfie com filtro embelezador. Como foi ingênua em acreditar que o Google era só uma ferramenta de busca? Ou que o Facebook não serve só para ajudar a reencontrar amigos do colégio?

Será que tudo o que fez nos últimos anos foi influenciado por algoritmos? A viagem a Campos do Jordão, onde conheceu o marido, com quem teve filhos, foi porque viu, no Instagram, Grazi Massafera por lá? Seria toda a sua vida fruto das decisões de Mark Zuckerberg?

Ela estava decidida a se libertar. Nunca mais seria manipulada pelos algoritmos.

Seguiu a recomendação do documentário e desabilitou as notificações do celular. Mas não era o suficiente. Ainda gastava horas vendo stories do Instagram.

Saiu de todas as redes sociais. Também não era o suficiente. Continuava no WhatsApp por horas discutindo a volta às aulas no grupo de mães. Zuckerberg poderia rastreá-la por lá.

Passou a falar apenas por telefone. Se bem que os algoritmos também escutam ligações. Decidiu que só iria conversar pessoalmente. Mas poderia ser escutada por satélites.

Fugiu para o meio do mato, longe dos algoritmos e da manipulação digital.

Para não acessar sites de imóveis e ser rastreada, construiu sua própria casa. Passou a plantar seu alimento e costurar suas roupas, para não usar o cartão de crédito.

Instalou painéis solares e cisternas de reaproveitamento de chuva, assim seus hábitos não seriam espionados e manipulados.

Finalmente tinha se tornado dona de suas decisões e de sua vida. Até que bateu um vazio. De que adiantou construir aquilo tudo, se não poderia mostrar para seus seguidores?

Pegou o primeiro ônibus de volta para a cidade. Grandes merdas, pensou ela.

Ligou o celular e voltou para a matrix.

*Publicado na Folha de S.Paulo

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