por Fernando Muniz
O telefone insiste. Terceira vez. “Tudo bem? Como estão as coisas? Soube que você foi internado! Você está”?!
Que dizer de uma situação que ele não controla nem consegue entender? “Internado não… Mas corri o risco de parar no hospital. Estou em casa, isolado, na garagem. Tive muita variação de temperatura à noite nesses últimos dias e o médico mudou os remédios. Agora sim, acho que saio do buraco”. Sente um vazio ao repetir o que o médico disse, pois ninguém garante que os novos remédios vão dar resultado.
“Que coisa… E a respiração? E o pulmão”?
“Tudo em ordem, por enquanto. Acontece que também estou com uma pneumonia, causada por bactérias. E isso desequilibrou as coisas”.
“Por causa da baixa imunidade”?
“Não só isso. Essa doença ataca tudo. É uma guerra total”.
“Baixou a febre”?
“Baixou. Até demais”.
Silêncio do outro lado da linha. “Chegou a quanto”?
“A 39,1 anteontem e a 33,2 ontem. Foi o caos. Calafrios, tremedeira e um medo absurdo, isolado aqui”. Na verdade sente ser um rato de laboratório, à mercê dos médicos e seus tratamentos, que mudam a cada recaída. Mas isso não deve interessar ao amigo.
“São temperaturas para ser internado”!
“Pois é… E tudo acontecendo às duas da madrugada… Mas passou”.
“Você tem ideia de onde pegou a bactéria”?
Ele não tem a menor ideia. Resolve chutar, afinal o amigo se incomodou em ligar e merece uma resposta. “O problema é que toda vez em que vou a um laboratório fazer exames acabo me expondo a gente doente. E tenho ido tirar sangue de dois em dois dias”.
O amigo se impressiona. “E como você tem feito para aguentar isso tudo, isolado”?
“Meu irmão mais novo, que também pegou, está aqui em casa, no quarto ao lado. Ele tem me ajudado bastante”.
“Ele está bem”?
“Está. Vai ter alta na sexta, se não acontecer alguma novidade. Quanto a mim, acho que saio do isolamento na terça que vem. Por causa do pulmão comprometido”. Não consegue se conformar com o irmão já estar quase curado e ele ali, sangue do mesmo sangue, pendurado em opiniões de médicos.
O amigo tenta dar apoio. “Hospitais e laboratórios são perigosos. Tem muito bicho circulando e não temos anticorpos”.
O vazio volta. “Na verdade, não sabemos nada de nada. É só tentativa e erro; os médicos tateiam no escuro e nos carregam pela mão por esse breu. Quando o médico falou em me internar, pedi para ficar em casa. Não quis ir. Sei lá, alguma coisa me disse que eu não iria voltar”.
“Que bom que teu irmão está aí com você”.
“Pois é”!
“Ficar em casa é melhor mesmo”.
“Foi o que eu bati com o médico. E deu certo”. Ficar em casa foi um ato de desespero, de pavor em ser derrotado e entrar nas estatísticas, engordando a fração de doentes que baixam no hospital. Ou que não saem de lá.
“Ainda bem. Mas que bom que as notícias são boas. Terça é logo ali”.
“Nem fale…” E nem sabe. A febre pode voltar, gerando convulsão ou a temperatura cair tanto que leve a uma parada cardíaca.
“Com a alta, como será o retorno? Tem alguma transição, cuidados especiais”?
“Terei que tomar anticoagulantes por trinta dias e fazer exames de pulmão e coração, além de fisioterapia, para evitar sequelas. Mas a vida vai seguir normal, sem restrições”. Sente que deveria soltar palavrões, arrebentar a parede, gritar que é absurdo o que está acontecendo e alguém deveria ser punido por isso. Mas não faz nada. O futuro é incerto e a doença, um mistério.
“Que ótimo”!
“É, mas esse vírus ataca tudo. Cérebro, fígado, rins, tudo é alvo. O pulmão é um dos mais atingidos. Por isso a fisioterapia, para evitar a fibrose”.
“Mas…” O amigo se preocupa. Não é o que dizem por aí.
“E sabe o que é pior? É saber que boa parte de quem pegou não vai fazer acompanhamento nenhum. Passou a crise, voltam para as suas vidas e pronto. Cada um por si. Não se preocupam com a doença custar caro, deixar sequelas e, para ser derrubada, só com um monte de médicos e um batalhão de remédios”. Solta um suspiro.
“Coisa triste…”
“Triste? Não. É o mundo em que a gente vive”.
“E quem não presta atenção…”
“Aponta uma pistola para a cabeça”.
Despede-se do amigo com outro suspiro. De resignação. De quem se preocupa e, mesmo assim, sente a pistola.
Na têmpora.