DIÁRIO DA PANDEMIA
(*) Estava aqui me lembrando. Tinha o seu Tobias do Vale, ele vendia cavalos. A mulher tomou rumo e deixou a filha recém-nascida com ele. Registrou com o nome de Gioconda, que tinha sido uma mulher muito rica e famosa. Famosa a sua Gioconda já era quando ainda nem tinha 16 anos. Rica nunca ficou que trabalho duro não enriquece ninguém, quem enriquece é o dono do trabalhador. E na Palmeira da minha adolescência aquela menina trabalhou até demais. Não só trabalhou como deu trabalho pra muita gente.
(*) Tinha o Salata. Morava na Padre Camargo. O cara era desses que guardam tudo. Um botão de camisa que achasse na rua. Um prego. Uma ferradura que tivesse se soltado do casco. Alguém poderia um dia precisar, quem sabe. Nunca ninguém precisou dos seus achados. Poderiam ter ficado na rua, que era seu lugar. E nem acredito que tenha pregado em suas roupas um só dos botões que encontrou. A ferradura, sim, teve utilidade. Pregada na porta, para trazer sorte. Morreu pobre e abandonado na sua casinha da Padre Camargo. Daí, pegaram toda aquelas bugigangas guardadas pela vida inteira e puseram no lixo. Foi aí que o Salata morreu totalmente porque um homem só morre de verdade quando morrem suas memórias.
(*) Como todo jovem, queríamos nos diferenciar dos adultos, criar uma linguagem própria. Ser rebelde. Um garoto penteava o cabelo englostorado de maneira diferente do usual, isso era rebeldia. Mas jamais tingir o cabelo de outra cor, isso seria desonroso para o cara, virava mulherzinha. Um dia, um dos nossos apareceu na praça com a fivela da cinta fora do centro. Que corajoso! Isso foi o máximo até então. Que genial tinha sido essa ideia! Logo, todos estavam imitando, descentralizando ao máximo a fivela. Usar meias de cores diferentes, isso seria avançado demais, mesmo porque Sal Mineo já havia feito no filme “Juventude Transviada”. Nosso transviamento ia até a invenção da fivela excêntrica, e antes de chegarmos em casa voltávamos a ser o que os adultos esperavam de nós. Saudade boba daquela ingenuidade perdida no tempo. Havia tanto respeito entre as pessoas!
GRANDES MOMENTOS DE GENUÍNA EMOÇÃO: Depois de cinco horas tentando, a gaga Maria do Rosário desistia de dizer: “Num ninho de magafagafos havia sete magafagafinhos, quem desmagafagafinhar o ninho de magafagafos bem desmagafagafinhador será”.
—:> Essa da fivela usada meio de fianco no cós da calça do valete velhoburguiano, eu lembro bem. Só não sei mais quem teve a corajosa coragem de aparecer pordeprimero com esse estilo estilosamente afivelado na cintura ali na rodinha que se formava na pracinha, quiçá, no bar do Palmê. Valente o valete, reconheço, porque corria sério risco de ser escrachado como “bundinha” anunado e daí ia ser um cu pra conferi até o jacu ser (re)reconhecido como inovador sem outras intenções.
Gostei do Padrella lembrar Sal Mineo. Não pare, Padrella.