A melhor feijoada da cidade era a do Embaixador, um restaurante que ficava colado à Alfaiataria Tschustentaler, na Rua Riachuelo, quase defronte a um quartel que hoje virou cinema. A cumbuca chegava fervente à mesa, e dentro dela tudo o que uma verdadeira feijoada merecia: paio, charque, pé, mão e orelha de porco, tudo. Eu escolhia a mesa mais próxima à porta, que dali alimentava o espírito enquanto alimentava o corpo. As meninas passavam, olhavam para dentro, curiosas. Naquele tempo, a Riachuelo ainda não era rua de mulheres.
Um dia, estava a abastecer corpo e espírito quando percebo, numa mesa do fundo, um senhor que olhava para mim. No começo não dei importância, mas depois aquilo começou a me incomodar. Era sabido que meninos eram abordados por esse tipo de gente, nas matinadas do Cine Avenida, aos domingos. Cada vez que eu olhava para aquele lado, o sujeito estava olhando para mim; talvez fosse impressão minha, mas me pareceu que ele sorria, propondo uma ponte entre nós. Aquilo me aborreceu. Ora, não se pode almoçar em paz? Mas, também tenho a confessar que me senti um tanto lisonjeado com o interesse daquele depravado. Terminei a refeição, deixei o dinheiro em cima da mesa, que o preço era sempre o mesmo, e a gente já sabia o quanto tinha a pagar. Ia me levantar quando o sujeito levantou-se primeiro e veio diretamente em minha direção. Eu estava preparado para lhe dar uma boa lição. Ele veio com um sorriso idiota e chegou bem junto de mim e só então descobri que era meu pai.