de Fernando Muniz
“O táxi está na porta”!
Ela se despede da mãe e entra no carro, feliz por tirar as primeiras férias em três anos. Cruza as ruas vazias, rumo ao aeroporto, em um silêncio onde nem os pássaros estão presentes, em que as árvores não se mexem e ninguém está nas calçadas. Mas está tão feliz com a partida que não se importa. E nem percebe que está acompanhada.
Assim que sente a presença do estranho, congela no banco de trás, fecha os olhos e reza. E se pergunta: o que ele está fazendo aqui? Como é que ele entrou? Como foi que eu não vi que o taxi já estava ocupado?
Pensa em pedir para descer. Mas será que ele está de combinação com o taxista? Será que eles vão mesmo deixá-la no aeroporto?
Fica tensa junto à porta. Que está trancada, como de costume nos táxis em movimento. Assim, com um estranho ao seu lado, segue durante trinta minutos, de olhos fechados, suando frio, lembrando da mãe, do gato de estimação e de todos os que sentirão falta dela se alguma coisa acontecer.
No aeroporto, paga o táxi, deixa o troco para trás, pega a bolsa e sai correndo rumo ao saguão. Nem se vira para saber quem viajou com ela.
Encontra a amiga que não vê há dois anos, ou melhor, que encontra somente através dos sonhos que compartilham quase toda semana, onde dançam, exploram cavernas e vencem monstros mitológicos. Essa foi a forma que encontraram para se comunicar, sem limites ou restrições, onde seus desejos viram lei e as deixam tão felizes.
Mas a amiga está quieta, junto às malas, com um olhar distante; não parece contente. “O que foi? Tudo bem? Não está feliz com a nossa viagem”?
A amiga balança a cabeça, em um gesto negativo; olha para os lados, como se estivesse sob vigia. Apanha as malas e se dirige à saída, apanhando o mesmo taxi que a trouxe, com o mesmo estranho dentro.
Ela não compreende por que a amiga a deixou. Será que não quer deixar para trás o passado assim que as portas do avião se fecharem? Não quer abandonar os sonhos compartilhados em favor das férias juntas? E aquele estranho? Ela não tem medo dele?
Ali, no meio do saguão sem uma alma viva, ela busca o bilhete da passagem aérea na bolsa e o aperta firme. Liberdade, afinal.
Mas no alto-falante, um aviso.
E a ela só resta cruzar de novo as ruas vazias.