12:28Gênio apesar da droga

por Ruy Castro

Impossível saber a que alturas chegaria Charlie Parker se não fosse a heroína

Charlie Parker —Bird, para todo mundo—, um dos três ou quatro maiores nomes do jazz, teria completado 100 anos no dia 29 último. Impossível avaliar as alturas que atingiria musicalmente se não tivesse morrido em 1955, aos 34, o que só surpreendeu os amigos por não ter acontecido mais cedo. A droga e o álcool o tinham tornado violento, desleal, insuportável, alguém a ser mantido longe até pelos músicos e agentes que lhe deviam tudo —estava barrado na própria boate que batizara, a Birdland, na rua 52. Chegou a ser preso e internado, mas nunca o trataram da dependência.

No começo havia a ideia de que Parker devia à heroína suas revolucionárias improvisações. Hoje se sabe que, ao contrário, ele foi um gênio apesar da droga. Basta somar as horas que lhe dedicava, tanto para comprá-la quanto para se esconder dos traficantes por dívidas a pagar. E havia a lei, que o impediu por anos de tocar nas boates de Nova York, sem falar das crises de abstinência e da devastação que as substâncias lhe provocaram, a ponto de o médico que atestou sua morte lhe dar 60 anos.

Os conservadores o acusavam de tocar bebop, “não jazz”, e se revoltavam ao ver o sax-alto, seu instrumento, aposentar o clarinete, indispensável ao jazz tradicional. De fato, depois de Parker, nunca mais surgiram clarinetistas como Johnny Dodds, Jimmie Noone e Sidney Bechet, ou Benny Goodman e Artie Shaw. Quase todos os grandes nomes do futuro seriam saxofonistas.

Parker ficou mais admirado do que ouvido pelos jazzófilos. Suas faixas dos anos 40 são alucinantes, mas soam hoje como rascunhos para o que ele inevitavelmente teria produzido depois. Mas não houve esse depois. Já as gravadas com orquestras de cordas, concebidas por Norman Granz e muito mais acessíveis, tocam até em elevadores.

Os radicais desprezam essa fase. Outros, como eu, deixam o elevador subir e descer até a faixa acabar.

*Publicado na Folha de S.Paulo

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